terça-feira, 6 de agosto de 2019

Violência letal contra a mulher no Brasil cresce 30% em 10 anos

Em 2017, mais de 4,9 mil mulheres foram assassinadas no país

Vítima de violência doméstica

          A edição 2019 do Atlas da violência traz um dado alarmante: os homicídios contra mulheres cresceram mais de 30% entre 2007 e 2017.  O documento é elaborado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e traz um retrato da violência em nosso país, uma situação que diz respeito à toda sociedade brasileira e que, além de interromper a vida dos mais jovens e fracos, custa mais de R$ 370 bilhões/ano aos cofres públicos. Nesta reportagem especial, você verá alguns desses dados, bem como a opinião de especialistas sobre a violência que atinge a mulher brasileira. Neste dia 7 de agosto, é comemorado o Dia Estadual da Lei Maria da Penha, considerada uma importante conquista no combate à violência contra a mulher.
‘         Segundo o Atlas, “houve um crescimento dos homicídios femininos no Brasil em 2017, com cerca de 13 assassinatos por dia. Ao todo, 4.936 mulheres foram mortas, o maior número registrado desde 2007”. Ainda de acordo o relatório, os dados foram obtidos junto ao Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde, “e trazem importantes subsídios para compreender melhor o fenômeno da violência letal contra a mulher, ao trazer dados sobre as características das vítimas e sobre alguns aspectos situacionais relacionados aos incidentes”.

Evolução
          Em um dos seus tópicos, o relatório analisa “a evolução dos homicídios de mulheres nas unidades federativas (estados) e se, de fato, houve crescimento dos casos de feminicídios nos últimos anos, que têm chamado a atenção da mídia, dos operadores e dos pesquisadores sobre segurança pública no país”.
          Os pesquisadores do Ipea afirmam que foi constatado “crescimento expressivo de 30,7% no número de homicídios de mulheres no país durante a década em análise (2007-2017), assim como no último ano da série, que registrou aumento de 6,3% em relação ao anterior. A magnitude do fenômeno e de suas variações pode ser mais bem aferida em termos da taxa de homicídio por grupo de 100 mil mulheres, que permite maior comparabilidade temporal e entre as diferentes unidades federativas. Entre 2007 e 2017 houve aumento de 20,7% na taxa nacional de homicídios de mulheres, quando a mesma passou de 3,9 para 4,7 mulheres assassinadas por grupo de 100 mil mulheres. Nesse período, houve crescimento da taxa em 17 Unidades da Federação. Já no recorte de 2012 a 2017, observamos aumento de 1,7% na taxa nacional e um aumento maior ainda de 5,4% no último ano, período em que se verificam taxas ascendentes em 17 UFs em relação a 2016”.
          O crescimento contínuo da violência contra a mulher no período analisado fica ainda mais evidente, quando o levantamento é feito por estados, ou como o estudo diz, por unidade federativa. “Considerando o período decenal, Rio Grande do Norte apresentou o maior crescimento, com variação de 214,4% entre 2007 e 2017, seguido por Ceará (176,9%) e Sergipe (107,0%). Já no ano de 2017, o estado de Roraima respondeu pela maior taxa, com 10,6 mulheres vítimas de homicídio por grupo de 100 mil mulheres, índice mais de duas vezes superior à média nacional (4,7). A lista das unidades federativas onde houve mais violência letal contra as mulheres é seguida por Acre, com taxa de 8,3 para cada 100 mil mulheres, Rio Grande do Norte, também com taxa de 8,3, Ceará, com taxa de 8,1, Goiás, com taxa de 7,6, Pará e Espírito Santo com taxas de 7,5”.

Reduções
          Segundo o Atlas, “considerando-se as maiores diminuições decenais, Distrito Federal, Espírito Santo e São Paulo apresentaram as maiores reduções, entre 33,1% e 22,5%”. Nota da redação: os casos de feminicidio no Estado de São Paulo aumentaram em 2019, conforme levantamento feito pelo Portal G1. Veja texto nesta página

Destaque
Um dos destaques no item redução da violência contra a mulher é o estado do Espírito Santo. “O caso do Espírito Santo chama a atenção na medida em que até 2012, o estado aparecia como campeão na taxa de homicídios femininos no país. Embora tenha apresentado crescimento entre 2016 e 2017, parece ter havido uma redução consistente da violência letal contra as mulheres no estado, provavelmente reflexo das diversas políticas públicas implementadas pelo governo no período e que priorizaram o enfrentamento da violência baseada em gênero”, afirma o estudo.
Ainda segundo o levantamento, “no ano de 2017, o estado de São Paulo responde pela menor taxa de homicídios femininos, 2,2 por 100 mil mulheres, seguido pelo Distrito Federal (2,9), Santa Catarina (3,1) e Piauí (3,2), e ainda Maranhão (3,6) e Minas Gerais (3,7). Em termos de variação, reduções superiores a 10% ocorreram em seis Unidades da Federação, a saber: Distrito Federal, com redução de 29,7% na taxa; Mato Grosso do Sul, com redução de 24,6%; Maranhão com 20,7%; Paraíba com 18,3%, Tocantins com 16,6% e Mato Grosso com 12,6%”.

Feminicídio aumenta em SP
          Apesar de apresentar uma redução de quase 34% na taxa de homicídios por 100 mil habitantes entre 2007 e 2017, incluindo, como já vimos, os casos de violência letal contra a mulher, o estado de São Paulo experimentou um recrudescimento da violência de gênero no começo deste ano. Os casos de feminicídio aumentaram 76% no 1º trimestre de 2019 em São Paulo se comparados ao mesmo período do ano anterior, de acordo com levantamento feito pelo G1 e pela GloboNews. Nos primeiros três meses do ano, 37 mulheres foram vítimas de feminicídio. Em 2018, foram 21. Lembrando que o feminicídio é caracterizado quando a mulher é morta (assassinada) pelo simples fato de ser mulher.
Ao mesmo tempo, o número de homicídios de mulheres caiu no estado: de 119 para 97, queda de 18%. Enquanto no primeiro semestre de 2018, as vítimas de feminicídios representavam 17,5% do total de casos, neste ano, o percentual subiu para 38%.

Mais mortos do que em guerras
A violência no Brasil atualmente parece ser uma chaga que atinge toda a sociedade brasileira, não se limitando apenas aos jovens. Os números da violência contra a mulher, assustam e jogam por terra a imagem de país pacato e tranquilo. O que há de errado com o nosso país? Em 2017, batemos um triste recorde, com mais de 65 mil assassinatos. São números comparáveis aos de países em guerra. Só para se ter uma ideia, na Guerra da Síria, entre 2011 e 2017, mais de 330 mil pessoas morreram, o que dá cerca de 55 mil por ano, bem menos do que foi registado no Brasil em um único ano.
          A situação é alarmante. Especialistas lembram que por trás dos números estão vidas destruídas. Há muita informação na internet sobre o tema e. embora possa haver pequenas diferenças entre os números apresentados por diversas fontes (até porque muitos casos não são denunciados), o certo é que a violência vem aumentando no país e as mulheres estão entre as principais vítimas. Até a conceituada Human Rights Watch (Observatório dos Direitos Humanos, em uma tradução livre), afirmou em relatório divulgado no começo deste ano que a violência doméstica é “uma epidemia” no Brasil. Segundo a organização, há mais de 1 milhão de casos de agressões contra as mulheres pendentes na justiça brasileira. A HRW, porém, aponta a Lei Maria da Penha como um importante instrumento no avanço do combate a esta situação de violência.

Cultura Machista
          Para a psicóloga itapetiningana Regina Soares (CRP 06\14206), “nossa cultura machista ainda trata a mulher como um ser que serve para proporcionar prazer ao homem,  dar-lhe filhos, e que deve permanecer submissa  frente à hegemonia masculina .Diante desta perspectiva é comum para alguns homens desfazer-se das que contrariam a sua vontade, os enfrentam, se mostram protagonistas de sua trajetória pessoal e até mesmo se recusam  a permanecer  em relacionamentos abusivos. Ainda que de forma inconsciente muitos homens coisificam as mulheres e as matam motivados pelas dificuldades que enfrentam: diante do fato de serem rejeitados ou trocados por outro parceiro. Não suportam a frustração de perderem o território e o domínio sobre a mulher”.
          Segundo a psicóloga, o estremecimento da relação homem-mulher, o estresse da vida moderna e a desvalorização da vida são fatores que contribuem para a violência contra a mulher, mas ela ressalta que “não são apenas estes. A postura de algumas doutrinas que pregam a obediência e a submissão da mulher, contribuem para o empoderamento do masculino, favorecendo o sentimento de posse, investindo o homem do poder de decidir sobre a vida ou morte de suas parceiras. Nossa sociedade forma cidadãos violentos e a atitude violenta é uma característica reconhecida como masculinidade e virilidade. Não podemos deixar de lado o uso abusivo do álcool e outras substâncias psicoativas consumidas pelo parceiro que potencializam o comportamento agressivo de muitos homens”
          Regina Soares argumenta ainda que o machismo “com certeza é uma das causas da violência contra a mulher” e que a sociedade deve “refletir sobre a reprodução da cultura machista de desrespeito em relação a mulher. A família, escola, igrejas devem propor o respeito entre homens e mulheres, mostrando que a frustração faz parte da vida e que a recusa do outro frente as nossas necessidades tem que ser respeitada e não afrontada. Ainda, que as diferenças são essenciais para evoluirmos e não motivo para eliminarmos o outro que nos contrariou”

Sinais
          A psicóloga aponta sinais que podem identificar se uma mulher é vítima de abuso ou violência. “São comuns características como: isolamento social, depressão, desculpas constantes diante de marcas em seu corpo, choro sem motivo aparente, medo de falar na presença do parceiro, entre outros”.

Políticas públicas
           Na opinião de Regina, “as políticas públicas na sua maioria estão voltadas muito mais para o público feminino do que para o masculino. Raramente vemos homens em rodas de conversa discutindo questões como desemprego, educação dos filhos, dificuldades conjugais, planejamento familiar, resolução e mediação de conflitos sem o uso da violência. Estas questões são reconhecidas como pertencentes ao universo feminino apesar de o homem ter participação direta em todos elas”.

Quem é Maria da Penha

          A mulher cuja trajetória de vida e luta contra a violência doméstica inspirou a criação da lei que leva o seu nome é Maria da Penha Maia Fernandes (foto), nascida em Fortaleza, no Ceará e atualmente com 74 anos.
          Maria da Penha é farmacêutica bioquímica e se formou na Faculdade de Farmácia e Bioquímica da Universidade Federal do Ceará em 1966, concluindo o seu mestrado em Parasitologia em Análises Clínicas na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo em 1977.
          Foi quando estudava na USP que ela conheceu seu futuro marido e algoz por quase 20 anos, o colombiano Marco Antonio Heredia Viveros, na época pós-graduando em economia. Eles se casaram em 1976 e Viveros demonstrava ser bom e gentil, uma situação que mudou radicalmente quando nasceram duas das três filhas do casal, quando a família já morava em Fortaleza.
          Assim como em outras histórias semelhantes, o marido foi ficando violento e agressivo, inclusive com as filhas. O clímax da tortura matrimonial de Maria da Penha ocorreu em 1983, quando ela levou um tiro pelas costas, enquanto dormia, disparado por Marco Antonio Viveros. O disparo a deixou paraplégica. Na época, o marido disse que tinha sido uma tentativa de assalto que não tinha dado certo, mas a versão foi desmentida pela perícia.
          Quando Penha voltou para a casa, quatro meses depois, ele a manteve em cárcere privado por 15 dias e tentou eletrocutá-la durante o banho. Maria da Penha sobreviveu a tudo isso, saiu de casa com a ajuda de amigos e iniciou uma batalha judicial em busca de justiça, mas por duas vezes seu marido escapou de cumprir sentença em regime fechado, graças a supostas falhas processuais.
          O caso foi parar na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA). Em 2001, o Estado brasileiro foi considerado omisso, negligente e tolerante em relação à violência doméstica contra as mulheres. A comissão estabeleceu recomendações que o governo brasileiro deveria seguir.
          Em 2002, um consórcio de instituições feministas elaborou uma lei de combate à violência doméstica e familiar. O projeto foi aprovado por unanimidade no congresso (Câmara dos Deputados e Senado) e sancionada pelo então presidente Lula em agosto de 2006.

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