Filósofo armênio escolheu Itapetininga para morar e
deixou sua marca na cidade
Jacob Bazarian
Um cidadão do
mundo! Esta podia ser uma das expressões para definir o filósofo e
professor Jacob Bazarian. Desde sua infância, na Armênia, ele e sua família se
viram obrigados a deixar seu lar. Os Bazarian fugiram da violência do exército
turco, que invadiu a Armênia entre 1915 e 1918, matando cerca de 1,5 milhão de
armênios e obrigado outros milhares a deixarem seus lares, entre estes, a
família de JB.
O filósofo
costumava dizer que este foi o primeiro genocídio do século XX, o que é negado
pela Turquia até hoje, mas reconhecido pela ONU (Organização das Nações Unidas)
e pelo Parlamento Europeu; o Brasil não reconhece o genocídio.
A Armênia
tentou resistir à invasão turca, desencadeando um conflito que só foi encerrado
em 2 de dezembro de 1920, com a assinatura de um acordo de paz. Mesmo assim,
milhares de armênios deixaram seu país, por causa da truculência dos turcos.
Os Bazarian
sentiram essa violência na pele: tiveram de deixar sua casa às pressas,
conforme contou uma vez Karnig Bazarian, irmão mais velho de Jacob, pois os
turcos incendiaram a casa da família, e todos tiveram de sair correndo; todos,
menos o pequeno Jacob, que estava no berço. Foi o próprio Karnig que deu pela
falta do irmão e voltou para busca-lo, entrando na casa em chamas para salvar o
bebê.
Karnig também
lembrava da peregrinação de milhares de armênios pelo país, andando quase que
sem destino, basicamente procurando comida. “Não tínhamos o que comer. Então
chegamos em uma fazenda de cebola; entramos e começamos a comer as cebolas ali
mesmo; foi assim que aprendi a gostar de cebola”, contava Karnig Bazarian.
Jornada
Jacob Bazarian
dizia que a família conseguiu ir para a Síria, onde ficou em um campo de
refugiados. Depois, seguiram para o Líbano, França e Brasil. Seu pai, junto com
o pequeno Jacob e os irmãos mais velhos partiram para o porto de Marselha, na
França. Sua mãe ficou no Campo de refugiados na Síria. Quando chegou a hora de
partir, ela não pôde: havia contraído tuberculose.
Da França, o
pai e o irmão mais velho, Karnig, vieram para o Brasil. Chegaram em São Paulo.
Logo, começaram o trabalho de caixeiros viajantes, até se estabeleceram em
Itapetininga, morando em uma casa à rua Saldanha Marinho e abrindo uma loja no
Largo dos Amores, depois que toda a família foi reunida. Foi nesta lojinha,
no final dos anos 20, que o menino Jacob desenvolveu o gosto pela leitura.
“Ninguém entrava na loja entre duas e quatro da tarde”, contava o filósofo, que
tomava conta do estabelecimento nesse horário e aproveitava para ler. Jacob
Bazarian faleceu no dia 21 de janeiro de 2003, aos 84 anos. Se fosse vivo,
completaria um século neste dia 2 de outubro. Mas o menino que pensou em ser
médico por causa da doença da mãe e resolveu ser filósofo deixou sua marca na
história da cidade. Veja agora alguns depoimentos de quem conheceu e conviveu
com JB.
Mesma pensão
O empresário
Messias Ferreira Lucio conheceu o filósofo no começo dos anos 70, assim que
chegou em Itapetininga. “Conheci Jacob Bazarian em 1973, quando fui morar em
uma pensão onde o professor fazia suas refeições, lá também morava a Tata, que
era sua secretária e foi, seguramente, sua grande paixão”, conta o empresário,
acrescentando que “a partir do momento em que o conheci, tivemos uma
convivência muita amiga e intensa em diversos segmentos da cidade: faculdade,
imprensa, eventos culturais e criou-se uma grande amizade com o professor
Jacob”.
Ferreira
Lucio Afirma que “seguramente o fato do professor ter passado sua infância em
Itapetininga foi muito marcante para ele. Depois de suas andanças pelo mundo,
tendo inclusive sido deputado na União Soviética, ele resolveu voltar para o
Brasil e escolheu Itapetininga, onde ele já tinha um grande círculo de
amizades, que foram marcantes em sua vida. Aqui foi a cidade que ele escolheu
para morar”.
Sem extremismos
O empresário
também avalia que Jacob Bazarian não “concordava e nem aprovava nenhum extremo,
nem da direita e nem da esquerda. Isto está claro no livro Mito e Realidade
sobre a União Soviética”.
Ferreira
Lucio afirma também que “é inquestionável a contribuição do professor para o
jornalismo e a cultura não só de Itapetininga, mas de toda a Região. Basta lembrar
que, na sua época, ele fundou duas entidades (ligadas a esses segmentos),
aliás, eu tive o prazer e a honra de participar com ele da fundação dessas
entidades que defendiam a cultura e o jornalismo na Região”, relata o
empresário, referindo-se à Ajori – Associação dos Jornalistas e Radialistas de
Itapetininga e Região – e a Casa da Cultura de Itapetininga. “A época em que
ele estava à frente dessas atividades foi uma época de ouro”, ressalta Ferreira
Lucio.
Revolucionário
Perguntado
se, ao seu modo, JB foi um revolucionário, o empresário foi taxativo: “sem
dúvida. Ele inovou, renovou padrões estabelecidos; foi muito ousado. Isto é ser
revolucionário”.
O filósofo
também era famoso por se preocupar com um estilo de vida mais saudável: fazia
atividade física e possuía receitas culinárias próprias, entre elas o famoso Ensopado
Jacob Bazarian, feito em um imenso caldeirão, com vários ingredientes.
Extremamente calórico, o ensopado dava um suadouro em quem
experimentasse.
Ferreira
Lucio disse que não teve a oportunidade de saborear este prato, “mas me lembro
de um jantar que durou sete ou oito horas. Foi em 1981 e eu era presidente do Diretório
Acadêmico da FKB e convidamos o também professor, na época, Fernando Henrique
Cardoso para uma palestra. Depois da palestra nós fomos jantar no Restaurante Carreta,
que era em frente ao Restaurante Sacy, para comer um famoso lombinho que era –
e ainda é – muito característico aqui em Itapetininga”.
O empresário
lembra que FHC viajaria em breve para a União Soviética. “O Jacob Bazarian era
a pessoa que mais entendia de União Soviética no Brasil e o Fernando Henrique
aproveitou a oportunidade para explorar, no bom sentido, todo o conhecimento
que JB tinha do assunto. Nós chegamos ao restaurante por volta das 11 da noite
e saímos as sete horas do dia seguinte. Amanhecemos lá. Foi uma conversa extremamente
longa, tomando um bom vinho e saboreando o lombinho do Restaurante Carreta, do
saudoso Bentico”.
Vovô Jacob
O jornalista Helio Rubens de
Arruda Miranda foi um dos que experimentaram o famoso ensopado. “Ele costumava
frequentar a minha casa e eu a dele. Meus filhos o tratavam como ‘Vô Jacob’ e
não foram poucas as vezes em que comemos juntos refeições feitas com receitas
dele”, lembra o jornalista, que se define como “aluno, admirador e feliz por
termos tido, aqui em Itapetininga, convivido com tão brilhante personalidade
que sempre se destacou culturalmente em todas as cidades por onde passou: São
Paulo, Paris, Moscou e Erevan”.
Miranda conta
que conheceu o filósofo “logo depois que cheguei a Itapetininga, no final da
década de 70. Meu primeiro encontro foi sintomático: ele, bravo, retrucou meu
entusiasmo político e me ensinou como os opositores devem ser tratados. Desde
então, só aprendi em todos os encontros que mantive com ele”.
Desilusão com o comunismo
“Tenho por
convicção que depois que visitou a Rússia e a Armênia Soviética, Jacob se
desiludiu com o comunismo, doutrina política que sempre defendeu a vida inteira
e, diante disso, voltou para Itapetininga, a verdadeira terra dele e onde se
vivia melhor, mais livremente, do que nos países socialistas. Penso que JB
atualmente estaria decepcionado também com o regime político do Brasil, pois
ele era um verdadeiro democrata e renegava qualquer tipo de radicalismo, seja
de direita como de esquerda”, afirma Arruda Miranda.
O jornalista
disse ainda considerar JB “a maior e mais importante intelectualidade de
Itapetininga em todos os tempos. Além de escritor, ele era jornalista,
palestrante, pesquisador, poeta, tradutor, ativista político, autor de receitas
médicas e culinárias e um professor universitário notável, com larga
experiência pessoal e intelectual”.
Arruda
Miranda também considera Bazarian revolucionário, mas ressalta “um
revolucionário que nunca usou uma arma de fogo em sua luta por um mundo melhor.
Foi um revolucionário que brandiu a espada dos pensamentos e a metralhadora das
palavras”, finalizou o jornalista.
Homenagens
Segundo o
jornal eletrônico Região On Line (ROL) várias atividades estão programadas em
comemoração ao centenário de nascimento de Jacob Bazarian.
A Fundação Karnig Bazarian (FKB), que tem como patrono o
irmão mais velho de JB, prepara uma palestra para o próximo domingo, dia 6.
Ainda segundo o ROL, o MIS (Museu da Imagem e do Som de Itapetininga) deve
realizar uma exposição sobre o filosofo, uma das primeiras personalidades a
gravar depoimento para o museu. Também está prevista a confecção de um livro
sobre a vida do filósofo, pela revista TOP da cidade, mas ainda não há data
oficial para o lançamento da obra.