quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Um revolucionário chamado Jacob Bazarian

Filósofo armênio escolheu Itapetininga para morar e deixou sua marca na cidade

Jacob Bazarian

          Um cidadão do mundo! Esta podia ser uma das expressões para definir o filósofo e professor Jacob Bazarian. Desde sua infância, na Armênia, ele e sua família se viram obrigados a deixar seu lar. Os Bazarian fugiram da violência do exército turco, que invadiu a Armênia entre 1915 e 1918, matando cerca de 1,5 milhão de armênios e obrigado outros milhares a deixarem seus lares, entre estes, a família de JB.
          O filósofo costumava dizer que este foi o primeiro genocídio do século XX, o que é negado pela Turquia até hoje, mas reconhecido pela ONU (Organização das Nações Unidas) e pelo Parlamento Europeu; o Brasil não reconhece o genocídio.
          A Armênia tentou resistir à invasão turca, desencadeando um conflito que só foi encerrado em 2 de dezembro de 1920, com a assinatura de um acordo de paz. Mesmo assim, milhares de armênios deixaram seu país, por causa da truculência dos turcos.
          Os Bazarian sentiram essa violência na pele: tiveram de deixar sua casa às pressas, conforme contou uma vez Karnig Bazarian, irmão mais velho de Jacob, pois os turcos incendiaram a casa da família, e todos tiveram de sair correndo; todos, menos o pequeno Jacob, que estava no berço. Foi o próprio Karnig que deu pela falta do irmão e voltou para busca-lo, entrando na casa em chamas para salvar o bebê.
          Karnig também lembrava da peregrinação de milhares de armênios pelo país, andando quase que sem destino, basicamente procurando comida. “Não tínhamos o que comer. Então chegamos em uma fazenda de cebola; entramos e começamos a comer as cebolas ali mesmo; foi assim que aprendi a gostar de cebola”, contava Karnig Bazarian.

Jornada
          Jacob Bazarian dizia que a família conseguiu ir para a Síria, onde ficou em um campo de refugiados. Depois, seguiram para o Líbano, França e Brasil. Seu pai, junto com o pequeno Jacob e os irmãos mais velhos partiram para o porto de Marselha, na França. Sua mãe ficou no Campo de refugiados na Síria. Quando chegou a hora de partir, ela não pôde: havia contraído tuberculose.
          Da França, o pai e o irmão mais velho, Karnig, vieram para o Brasil. Chegaram em São Paulo. Logo, começaram o trabalho de caixeiros viajantes, até se estabeleceram em Itapetininga, morando em uma casa à rua Saldanha Marinho e abrindo uma loja no Largo dos Amores, depois que toda a família foi reunida. Foi nesta lojinha, no final dos anos 20, que o menino Jacob desenvolveu o gosto pela leitura. “Ninguém entrava na loja entre duas e quatro da tarde”, contava o filósofo, que tomava conta do estabelecimento nesse horário e aproveitava para ler. Jacob Bazarian faleceu no dia 21 de janeiro de 2003, aos 84 anos. Se fosse vivo, completaria um século neste dia 2 de outubro. Mas o menino que pensou em ser médico por causa da doença da mãe e resolveu ser filósofo deixou sua marca na história da cidade. Veja agora alguns depoimentos de quem conheceu e conviveu com JB.

Mesma pensão
          O empresário Messias Ferreira Lucio conheceu o filósofo no começo dos anos 70, assim que chegou em Itapetininga. “Conheci Jacob Bazarian em 1973, quando fui morar em uma pensão onde o professor fazia suas refeições, lá também morava a Tata, que era sua secretária e foi, seguramente, sua grande paixão”, conta o empresário, acrescentando que “a partir do momento em que o conheci, tivemos uma convivência muita amiga e intensa em diversos segmentos da cidade: faculdade, imprensa, eventos culturais e criou-se uma grande amizade com o professor Jacob”.
          Ferreira Lucio Afirma que “seguramente o fato do professor ter passado sua infância em Itapetininga foi muito marcante para ele. Depois de suas andanças pelo mundo, tendo inclusive sido deputado na União Soviética, ele resolveu voltar para o Brasil e escolheu Itapetininga, onde ele já tinha um grande círculo de amizades, que foram marcantes em sua vida. Aqui foi a cidade que ele escolheu para morar”.

Sem extremismos
          O empresário também avalia que Jacob Bazarian não “concordava e nem aprovava nenhum extremo, nem da direita e nem da esquerda. Isto está claro no livro Mito e Realidade sobre a União Soviética”.
          Ferreira Lucio afirma também que “é inquestionável a contribuição do professor para o jornalismo e a cultura não só de Itapetininga, mas de toda a Região. Basta lembrar que, na sua época, ele fundou duas entidades (ligadas a esses segmentos), aliás, eu tive o prazer e a honra de participar com ele da fundação dessas entidades que defendiam a cultura e o jornalismo na Região”, relata o empresário, referindo-se à Ajori – Associação dos Jornalistas e Radialistas de Itapetininga e Região – e a Casa da Cultura de Itapetininga. “A época em que ele estava à frente dessas atividades foi uma época de ouro”, ressalta Ferreira Lucio.

Revolucionário
          Perguntado se, ao seu modo, JB foi um revolucionário, o empresário foi taxativo: “sem dúvida. Ele inovou, renovou padrões estabelecidos; foi muito ousado. Isto é ser revolucionário”.
          O filósofo também era famoso por se preocupar com um estilo de vida mais saudável: fazia atividade física e possuía receitas culinárias próprias, entre elas o famoso Ensopado Jacob Bazarian, feito em um imenso caldeirão, com vários ingredientes. Extremamente calórico, o ensopado dava um suadouro em quem experimentasse.
          Ferreira Lucio disse que não teve a oportunidade de saborear este prato, “mas me lembro de um jantar que durou sete ou oito horas. Foi em 1981 e eu era presidente do Diretório Acadêmico da FKB e convidamos o também professor, na época, Fernando Henrique Cardoso para uma palestra. Depois da palestra nós fomos jantar no Restaurante Carreta, que era em frente ao Restaurante Sacy, para comer um famoso lombinho que era – e ainda é – muito característico aqui em Itapetininga”.
          O empresário lembra que FHC viajaria em breve para a União Soviética. “O Jacob Bazarian era a pessoa que mais entendia de União Soviética no Brasil e o Fernando Henrique aproveitou a oportunidade para explorar, no bom sentido, todo o conhecimento que JB tinha do assunto. Nós chegamos ao restaurante por volta das 11 da noite e saímos as sete horas do dia seguinte. Amanhecemos lá. Foi uma conversa extremamente longa, tomando um bom vinho e saboreando o lombinho do Restaurante Carreta, do saudoso Bentico”.

Vovô Jacob
O jornalista Helio Rubens de Arruda Miranda foi um dos que experimentaram o famoso ensopado. “Ele costumava frequentar a minha casa e eu a dele. Meus filhos o tratavam como ‘Vô Jacob’ e não foram poucas as vezes em que comemos juntos refeições feitas com receitas dele”, lembra o jornalista, que se define como “aluno, admirador e feliz por termos tido, aqui em Itapetininga, convivido com tão brilhante personalidade que sempre se destacou culturalmente em todas as cidades por onde passou: São Paulo, Paris, Moscou e Erevan”.
          Miranda conta que conheceu o filósofo “logo depois que cheguei a Itapetininga, no final da década de 70. Meu primeiro encontro foi sintomático: ele, bravo, retrucou meu entusiasmo político e me ensinou como os opositores devem ser tratados. Desde então, só aprendi em todos os encontros que mantive com ele”.

Desilusão com o comunismo
          “Tenho por convicção que depois que visitou a Rússia e a Armênia Soviética, Jacob se desiludiu com o comunismo, doutrina política que sempre defendeu a vida inteira e, diante disso, voltou para Itapetininga, a verdadeira terra dele e onde se vivia melhor, mais livremente, do que nos países socialistas. Penso que JB atualmente estaria decepcionado também com o regime político do Brasil, pois ele era um verdadeiro democrata e renegava qualquer tipo de radicalismo, seja de direita como de esquerda”, afirma Arruda Miranda.
          O jornalista disse ainda considerar JB “a maior e mais importante intelectualidade de Itapetininga em todos os tempos. Além de escritor, ele era jornalista, palestrante, pesquisador, poeta, tradutor, ativista político, autor de receitas médicas e culinárias e um professor universitário notável, com larga experiência pessoal e intelectual”.
          Arruda Miranda também considera Bazarian revolucionário, mas ressalta “um revolucionário que nunca usou uma arma de fogo em sua luta por um mundo melhor. Foi um revolucionário que brandiu a espada dos pensamentos e a metralhadora das palavras”, finalizou o jornalista.

Homenagens
          Segundo o jornal eletrônico Região On Line (ROL) várias atividades estão programadas em comemoração ao centenário de nascimento de Jacob Bazarian.
          A Fundação Karnig Bazarian (FKB), que tem como patrono o irmão mais velho de JB, prepara uma palestra para o próximo domingo, dia 6. Ainda segundo o ROL, o MIS (Museu da Imagem e do Som de Itapetininga) deve realizar uma exposição sobre o filosofo, uma das primeiras personalidades a gravar depoimento para o museu. Também está prevista a confecção de um livro sobre a vida do filósofo, pela revista TOP da cidade, mas ainda não há data oficial para o lançamento da obra.

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