No Dia da Consciência Negra, texto aborda o racismo estrutural no país
(*) Ana Cristina
Vallada
Pra começar, preciso avisar que sou branca. Isso me coloca
num lugar, no mínimo, inadequado pra falar sobre racismo. Por outro lado, sinto
que o engajamento na luta por igualdade não pode depender da cor da pele -
precisa ser de todo mundo. A polêmica em torno da declaração de Luiza Trajano
sobre um processo seletivo exclusivo pra negros se deve ao fato de que os
brancos se sentem merecedores de privilégios. No fundo, acreditam que são
superiores e que devem ser donos das posições de destaque. Mas, primeiro, os
fatos. A rede de lojas Magazine Luiza anunciou em setembro que abriria um
processo seletivo para contratação de trainees do qual só candidatos negros
poderiam participar. Os selecionados receberiam salário de R$ 6 mil e
benefícios. O anúncio foi seguido por uma onda de protestos, a empresa foi
acusada de “racismo reverso” e a Defensoria Pública da União moveu ação contra
o Magazine Luiza e pediu indenização por danos morais coletivos. O Ministério
Público do Trabalho de São Paulo entendeu não haver nada ilícito no processo
seletivo. Voltemos, então, aos privilégios que os brancos acham que devem ter.
O nome disso é racismo. E racismo do pior tipo, aquele entranhado na cultura,
nas crenças e nos hábitos das pessoas, aquele que nem sempre é verbalizado, mas
que é sentido profundamente, está enraizado nas organizações sociais. Racismo
estrutural porque é ele que sustenta a estrutura desigual da sociedade
brasileira. De acordo com o IBGE (2019), 55% dos jovens pardos ou negros chegam
ao ensino superior. Entre os brancos, são 78%. O rendimento médio de pardos e
pretos é de R$ 1.608,00, enquanto os brancos ganham, em média, 73,9% a mais: R$
2.796,00. O mesmo IBGE afirma que os negros são maioria em atividades braçais
enquanto os brancos ocupam a maior parte dos cargos de chefia e que exigem mais
qualificação. Quem reclama agora de um processo seletivo só pra negros
provavelmente nunca se incomodou com as seleções às quais os negros não tinham
acesso. Não porque fossem proibidos de participar, mas porque nunca tiveram
como competir em condição de igualdade com os brancos. A iniciativa do Magazine
Luiza nada mais é do que reparação da história. O Brasil contou com mão de obra
negra e escrava durante 300 anos e as sequelas perduram até hoje. A situação só
vai mudar quando os brancos entenderem que é preciso dar aos negros as
oportunidades que lhes foram tiradas ao longo de 5 séculos.
Termino com um convite. Você já viu Olhos que Condenam,
na Netflix? Dentro da minha pele, no Globoplay? Se tiver chance,
assista. Só poderemos lutar juntos por um mundo igualitário, um mundo em que a
cor da pele não seja fator de exclusão social, quando entendermos o que se
passa na realidade do outro e nos solidarizarmos com ele.