quinta-feira, 14 de março de 2013

“O Crack me quebrou”, conta ex-dependente




O servente Júlio César Campos
Aos 30 anos e pai de três filhos (dois meninos, de 11 e nove anos e uma menina de seis), o servente Júlio César da Silva Campos passou dez anos bebendo e usando drogas, principalmente o crack. A dependência química o levou a separa-se da família e a morar nas ruas. Com vergonha dos filhos, escondia-se para que eles não o vissem. Caçula de sete irmãos, viu três deles perderem a vida por causa da droga; uma quarta irmã também envolveu-se com o tráfico de entorpecentes e acabou presa, saindo recentemente da cadeia.
            Depois de chegar ao fundo do poço e ficar acordado durante dias, vagando pelas ruas, inclusive da Capital, Campos conheceu a Casa Luz, instituição que acolhe moradores de rua em Itapetininga. Depois de ficar um ano no local, o servente saiu em dezembro do ano passado, arrumou emprego registrado (pela primeira vez na vida) e tem esperança de reconstruir a vida. Atualmente, já visita e passa tempo com os filhos, para quem é um herói. Ele ainda auxilia outros moradores da Casa Luz, aconselhando e dando testemunho de vida.
 
Início
Júlio César posa junto aos tijolos ecológicos
que aprendeu a fazer durante sua estada na Casa Luz
            “Comecei a beber cerveja aos 19 anos, quando ainda era namorado da minha esposa”, conta o servente. Da cerveja para o álcool (pinga) foi um passo e daí para a maconha, “apresentada” por amigos. Depois, conheceu a “farinha” (cocaína), passando a cheirar thiner e, finalmente, o crack. “Aí, quebrou tudo”, lembra o servente, que perdeu a mãe aos seis meses de vida e foi criado por uma tia.
            “Eu fazia de tudo um pouco como servente. Recebia toda a sexta-feira e ia para o bar, beber. Os amigos chegavam e perguntavam se eu queria ir cheirar crack. Eu ia e, enquanto tinha dinheiro, ficava lá. Chegava em casa e minha mulher perguntava do dinheiro; aí a gente brigava. Eu dizia que tinha bebido, mas na verdade tinha fumado”, conta Campos. A situação foi piorando até tornar-se insustentável. “Eu pedia para ela me dar força, que iria parar, mas não conseguia. Ela tentou me ajudar mas no final pediu a separação”. O servente lembra que, a essa altura, já estava se afastando da família.
 
Fundo do poço
            Júlio César Campos relata que, com a separação, “aí tudo caiu mesmo. Passei três meses na rua, mas consegui emprego e o patrão me levou para São Paulo. Lá, um primo me levou para conhecer a favela, e voltei às drogas e para as ruas (foi despedido)”. Um irmão do servente foi até a capital para ajudá-lo, mas acabou se envolvendo com drogas também. “Meu irmão conseguiu voltar para Itapetininga e depois voltou para São Paulo para tentar me tirar. Eu disse para ele esperar um pouco e fui até a favela pegar mais droga; acabei ficando lá e meu irmão veio embora, cansado de me esperar”.
            Completamente sozinho, Campos passava dias vagando pelas ruas, sem dormir, mas não sentia medo. Um dia, conseguiu ajuda para voltar para Itapetininga, mas não a tempo de falar com o irmão, que morreu logo em seguida, devido ao envolvimento com o crack. “Ele tinha câncer e misturava os remédios com o crack”, diz o servente; ele próprio contraiu tuberculose devido ao uso de droga.
 
Clamando a Deus
            Quando a esperança estava acabando, o rapaz clamou a Deus, pedindo ajuda. “Eu via as pessoas passarem felizes indo para a igreja. Então pedi ajuda a Deus, achava que a religião poderia me salvar. Eu não era religioso e mal sabia ler, mas também queria muito ver meus filhos; recomeçar a minha vida”. Hoje, Campos é evangélico e dá testemunho aos outros moradores da Casa Luz, contando sua história. “A fé, a esperança, e a vontade de ver minha família me salvaram”, conta o servente.
 
Casa Luz
            Campos lembra que, no começo, não queria ir para a Casa Luz. “Não sabia como era; queria sair das ruas, mas também tinha medo. E o André insistia”, disse o servente, referindo-se a André Franco, fundador e coordenador da Casa Luz. “Demorei, mas acabei vindo. Fiquei aqui até dezembro, quando sai para morar só e trabalhar”. A primeira experiência, contudo, não deu certo. “Fiz uma pintura em três dias (levaria uma semana) recebi R$ 400 e usei parte do dinheiro para pagar o aluguel de uma casa, mas não deu certo porque uma pessoa que morava no fundo usava droga, aí resolvi voltar para a Casa Luz”. Ele até tentou morar com familiares, mas não deu certo. “A minha tia está com Alzheimer e então ficou difícil morar lá”.
            De volta à instituição, Campos continua apoiando os outros moradores. Durante o dia, trabalha em uma empresa de luminosos da cidade. É o seu primeiro emprego com carteira assinada e ele aguardava ansioso o primeiro pagamento. “Sou feliz e estou recuperado e firme – leio a bíblia. Quero sair e ter minha casa. Os patrões estão me ajudando a encontrar a casa. Hoje vejo meus filhos todos os domingos e já contei sobre o meu problema para eles e me tornei o herói deles. Tenho certeza de estar preparado para sair da casa e tocar minha própria vida”, afirmou.
 
Texto: Marco Antonio
Fotos: Mike Adas

Um comentário:

  1. Parabés pela matéria meu amigo....um exemplo de perseverança....que Deus me ilumine e me ajude a ser perseverante assim tb em todos os meus planos.

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