segunda-feira, 25 de julho de 2016

De Morro do Alto para a Europa

A história do menino pobre que conheceu o mundo



          Nascido no distrito de Morro do Alto, em Itapetininga, há 57 anos, Olivaldo Prado (foto), mais conhecido como Vadinho, começou a trabalhar desde cedo, assim como seus outros irmãos, para ajudar no sustento da família, principalmente depois que seus pais se separaram e sua mãe foi trabalhar de cozinheira em uma pensão da cidade. Mais de 40 anos depois, o menino de família humilde se tornou um profissional conhecido e requisitado por grandes nomes da música, como Chico Buarque. Vadinho é um roadie, profissional que acompanha os artistas em turnês, shows e viagens, cuidando da iluminação, do som e de deixar tudo pronto no palco para a apresentação. Ele até afina instrumentos. Veja agora um pouco dessa história.
Ainda adolescente, começou a atuar no segmento de bailes e shows, com a equipe New Tape Sound, do empresário Nelsinho, que morava na pensão e tornou-se amigo da mãe de Vadinho, passando a frequentar a casa da família. “A NTS tava começando a fazer os bailinhos no CRI”, conta Vadinho, referindo-se ao Clube Recreativo Itapetiningano.
          Eram os anos 70. E a família Prado tinha acabado de chegar à cidade. “Quando chegamos em Itapetininga, foi uma luta para arrumar trabalho. Era o ano de 1975, ou 76, por aí, e eu trabalhava no Superbom Supermercado”, lembra Vadinho.
Nelsinho convidou Vadinho e os irmãos para irem conhecer o clube. E apesar da diferença de idade, Vadinho não tinha nem 15 anos, “e o Nelsinho já tinha uns 20”, eles se tornaram bons amigos, chegando ao ponto de o empresário oferecer trabalho ao então adolescente.
Trabalhando durante a semana no supermercado, Vadinho ajudava a fazer os bailes nos finais de semana. E foi se integrando a equipe e outros amigos. “A gente ganhava pouco, mas se divertia muito e namorava bastante também”. E assim foi durante três anos, inclusive viajando toda a Região fazendo shows. Ao mesmo tempo, Vadinho foi se tornando amigo de músicos de Itapetininga e cidades vizinhas.

São Paulo

Vadinho e Chico Buarque

          A vida de Vadinho começou a mudar quando o conjunto Garotas de Prata, composto só por mulheres, veio fazer um show no CRI, em 1976 – ele ajudou a descarregar os equipamentos do conjunto – depois, ele foi para casa, tomou banho e voltou para ficar “cuidando das meninas no camarim”. Vadinho tinha entre 15 e 16 anos e conta que “o baile terminou as 4h30 da manhã, ajudei a carregar o equipamento e eles passaram em casa, falaram pra minha mãe que iam me levar, pois eu era um garoto bom”.
          Com as bênçãos da mãe, que apesar das dúvidas, deixou o filho partir, Vadinho Prado, então com 16 anos foi para a capital. “Ela falou que eu ia descer no primeiro quarteirão, mas eu fui mesmo”. O rapaz não sabia, mas estava prestes a iniciar uma jornada que o levaria a conhecer alguns dos mais famosos e talentosos artistas brasileiros, além de viajar pelo mundo e conhecer lugares como Paris, na França.
          Chegando em São Paulo, Vadinho conheceu e foi morar na casa do músico e produtor Sidnei de Barros, que o colocou para trabalhar com o grupo Corrente de Força (que se tornaria a banda Placa Luminosa). “Eu nem fiquei com o Garotas de Prata, só fui com eles até São Paulo”, relembra Vadinho. “Nos três anos que fiquei em São Paulo, em vivi 30 anos”, lembra Vadinho.
          Depois de instalado na Terra da Garoa, ele começou a aprender a mexer com iluminação, sempre com profissionais renomados, o que permitiu que as portas fossem sendo abertas. “Eu fui aprendendo e entrando no sistema; fiz Vida de Viajante, com Gonzagão e Gonzaguinha. Depois fui trabalhar no Cine Veneza, que se tornou o Teatro Procópio Ferreira e ganhou cinco ou seis refletores. Eu conheci e jantei com o próprio Procópio Ferreira, com a Eva Wilma...era um plebeu no meio dos grandes”.
          Vadinho conheceu, trabalhou e se tornou amigo de Juca Chaves, de quem ganhou um relógio. “Ele gostou muito de mim”. O jovem profissional também trabalhou na parte técnica da peça Pato com Laranja, do ator Paulo Autran.
          Em mais uma reviravolta, Vadinho foi fazer a iluminação da turnê Lá Vem o Brasil, descendo a Ladeira, de Moraes Moreira, na segunda metade dos anos 70.

Rio e Bahia
          O trabalho com Moraes Moreira levou Vadinho para o Rio de Janeiro e depois para a Bahia, onde conheceu, trabalhou e tornou-se amigo de bandas e artistas como o Trio Elétrico de Armandinho, Dodô e Osmar, A Cor do Som e Luiz Caldas, que era amigo de Armandinho.
          Quando estava no Rio, Vadinho comia na casa de Armandinho. “Um dia, em 1986, eu estava almoçando e tocaram a campainha; fui abrir e era o Luiz Caldas. Ele perguntou: Vadinho, você por aqui? E eu respondi que almoçava na casa do Armandinho, aí ele me disse que estava chegando para gravar o programa do Chico e Caetano e pediu para eu buscar a banda dele no aeroporto. Eu fui, levei para o hotel e depois para o ensaio, que acontecia no teatro Fênix, com a direção do Roberto Talma”, lembra o roadie.
          Foi nessa ocasião que conheceu o diretor global; logo após o primeiro ensaio, Talma convidou Vadinho a continuar trabalhando e assim ele participou dos 12 programas da série Chico e Caetano, apresentados por Chico Buarque e Caetano Veloso. “Eu já conhecia todos os contrarregras que trabalhavam na Globo e ele me indicaram para o diretor, dizendo que eu tinha muito pique”, lembra Vadinho, sorrindo. Graças a esse programa, este itapetiningano pôde conhecer pessoas como Elizete Cardoso e Astor Piazzola, entre outros.
          Em 1988, enquanto Chico Buarque ensaiava para uma turnê após um intervalo de 25 anos, Vadinho viajou para a África, acompanhando Gilberto Gil e outros artistas negros brasileiros em uma turnê por vários países. O objetivo era comemorar os 100 anos do fim da escravidão no Brasil.
          “Eu já trabalhava com o Chico e ele me liberou para viajar, pois o roadie do Gil não quis ir. Foi uma viagem emocionante. Logo na chegada, um curandeiro veio tirar os maus espíritos, para impedir que a escravidão retornasse à África”. Vadinho também se encantou com uma orquestra que se apresentou antes do show de Gilberto Gil. “O Gil subiu ao palco as 11h30, mas teve de parar de tocar às 11h45, para que eles pudessem rezar. Ao meio-dia em ponto a oração terminou e o show prosseguiu”.

Em Londres

          De volta ao Brasil, ele, embarcou na turnê do espetáculo Francisco, de Chico Buarque, que rodou o mundo. “O Chico só faz turnê de cinco em cinco anos”, conta Vadinho, que está há 20 anos com o artista (foram cinco turnês) e neste ano de 2016, após a sexta turnê, pretende encerrar a carreira de roadie. Ele mostra a carteira de trabalho assinada por Marieta Severo, ex-mulher de Chico Buarque.
          Depois de mais de duas décadas de convivência e trabalho, Vadinho coleciona histórias. Ele aprendeu, por exemplo, a afinar e até consertar o violão de Chico Buarque. Uma das passagens mais marcantes foi a saída de um show realizado em Londres, quando o público se aproximou do ônibus da equipe e cantou as músicas do espetáculo. Com tantas histórias, a vida de Vadinho Prado daria um livro: a história do menino pobre que saiu do interior de São Paulo e viajou pelo mundo, conhecendo cidades como Londres, Paris e tantas outras.

Texto: Marco Antonio
Fotos: Arquivo Pessoal

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