quarta-feira, 3 de abril de 2019

Violência mata mais de 150 mil jovens em duas décadas

Número é maior do que a população de Itapetininga em 2010

Até quando mataremos nossos jovens?

Em 20 anos, mais de 155 mil jovens foram mortos por armas de fogo no país. A informação consta de levantamento feito pela Sociedade Brasileira de Pediatria, divulgado no mês de março, e aponta quase 10 mil vítimas em 2017 (9.936). Em 2016, segundo a SBP, foram registrados 9.517 óbitos. Ou seja, em apenas dois anos, quase 19,5 mil pessoas jovens foram assassinadas no Brasil por armas de fogo.
          Este triste número de vidas jovens ceifadas pela violência é maior do que a população de Itapetininga registrada no último Censo do IBGE, que foi de 144.377 habitantes, no ano de 2010, e também chega próximo à população do município estimada para o ano de 2018, que é pouco mais de 162 mil pessoas.
          Ainda para efeito de comparação, o número de vítimas supera em quase 35 mil a população estimada da cidade de Tatuí, que é de pouco mais de 120 mil pessoas.
Não é à toa que, segundo o levantamento da SBP, em nosso país, a cada 60 minutos uma criança ou adolescente morre em decorrência de ferimentos por arma de fogo. Nas últimas duas décadas, mais de 155 mil jovens, com idades entre zero e 19 anos, faleceram em consequência de disparos acidentais ou intencionais, como em casos de homicídio ou suicídio.
Segundo o levantamento da entidade, que considerou os dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, em 2016, foram registrados 9.517 óbitos. O número é praticamente o dobro do identificado há 20 anos (4.846 casos, em 1997), representando em números absolutos o pico dessa série histórica.
Para a presidente da SBP, Luciana Rodrigues Silva, é imprescindível que as autoridades assegurem a paz e a integridade dos jovens e daqueles que cuidam de seu bem-estar. “O País precisa de medidas efetivas para aumentar a segurança das nossas crianças e adolescentes, e também dos profissionais que os acompanham nas escolas, nas unidades de saúde, nos centros desportivos e outras instalações do tipo”, defendeu.

Despesas
A SBP contabilizou ainda as despesas diretas do Sistema Único de Saúde (SUS) com os pacientes atendidos em virtude do contato com armas de fogo. Nos últimos 20 anos, as internações de crianças e adolescentes provocadas pelos disparos custaram mais de R$ 210 milhões aos cofres públicos.
“Os custos diretos decorrentes desses atendimentos estão atingindo níveis recordes. Obviamente, que foi um investimento para salvar vidas, o que é justificável. Porém, se esses casos tivessem sido evitados, esses recursos poderiam ter tido outro destino no SUS. O pior, no entanto, não é a conta, mas as sequelas físicas e emocionais – muitas vezes irreversíveis – que cada um destes episódios de agressão deixa na vida das crianças e dos adolescentes envolvidos, bem como em suas famílias e na comunidade”, ressaltou a presidente da SBP.
No esforço de destrinchar esse fenômeno, a SBP procurou analisar os dados oficiais em busca de outra informação relevante: a motivação dos disparos que levaram a óbitos e sequelas. Os números mostram que a principal causa de mortes por armas de fogo na faixa etária analisada está relacionada a homicídios. Isso ocorre em 94% dos registros.
Com percentuais muito inferiores aparecem as intenções indeterminadas (4%), os suicídios (2%) e os acidentes (1%). Quando se busca o motivador das internações hospitalares por ferimentos com armas de fogo, as tentativas de homicídio permanecem no topo do ranking (67%), seguidas, no entanto, do expressivo volume de acidentes (26%).
Ao confrontar os dados com a realidade nacional, o secretário do Departamento de Segurança da SBP, Danilo Blank, destaca que a série histórica registra uma sensível desaceleração no total de óbitos e internações por armas de fogo no período que se seguiu à entrada em vigor do Estatuto do Desarmamento, em 2003.
“Isso quer dizer que, se admitirmos que a redução das mortes e ferimentos se deve efetivamente ao Estatuto do Desarmamento – já que não parece ter havido outra variável em jogo – quaisquer causas sociais que tenham posteriormente determinado uma nova onda de aumento nos números de homicídios simplesmente não parecem ter afetado as mortes e traumas não intencionais, que são um problema extremamente pertinente à defesa da saúde da criança”, destacou.
O Departamento de Segurança da SBP enfatiza ainda que, de acordo com sólidas evidências da literatura especializada, a prevenção de mortes por armas de fogo se baseia principalmente na redução do acesso a essas armas nas comunidades. Um dos mais recentes trabalhos nesta linha partiu do American College of Physicians (ACP), que encoraja os médicos norte-americanos a aconselharem seus pacientes sobre o risco de ter armas de fogo em casa, particularmente quando há crianças e adolescentes presentes. “A violência por armas de fogo é uma ameaça à saúde pública nos Estados Unidos que não pode continuar”, se posiciona a entidade em documento oficial 
“Quanto mais disponíveis as armas de fogo, maior o número de mortes. Todos os esforços têm que ser empreendidos para fortalecer o Estatuto do Desarmamento no Brasil e limitar ao máximo a posse o porte de armas de fogo”, defendeu Blank.

Violência também atinge a mulher
A violência no Brasil atualmente parece ser uma chaga que atinge toda a sociedade brasileira, não se limitando apenas aos jovens. Os números da violência contra a mulher, assustam e jogam por terra a imagem de país pacato e tranquilo. O que há de errado com o nosso país? Em 2017, batemos um triste recorde, com mais de 63 mil assassinatos. São números comparáveis aos de países em guerra. Só para se ter uma ideia, na Guerra da Síria, entre 2011 e 2017, mais de 330 mil pessoas morreram, o que dá cerca de 55 mil por ano, bem menos do que foi registado no Brasil em um único ano.
          A situação é alarmante. Especialistas lembram que por trás dos números estão vidas destruídas. Há muita informação na internet sobre o tema e. embora possa haver pequenas diferenças entre os números apresentados por diversas fontes (até porque muitos casos não são denunciados), o certo é que a violência vem aumentando no país e as mulheres estão entre as principais vítimas. Até a conceituada Human Rights Watch (Observatório dos Direitos Humanos, em uma tradução livre), afirmou em relatório divulgado no começo deste ano que a violência doméstica é “uma epidemia” no Brasil. Segundo a organização, há mais de 1 milhão de casos de agressões contra as mulheres pendentes na justiça brasileira. A HRW, porém, aponta a Lei Maria da Penha como um importante instrumento no avanço do combate a esta situação de violência.

A violência em números
O 12º Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado em agosto de 2018 mostra que em 2017 o Brasil teve 221.238 registros de violência doméstica, o que significa 606 casos por dia. São registros de lesão corporal dolosa enquadrados na Lei Maria da Penha. É a primeira vez que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública tabula esses dados. De acordo com o anuário, o país registrou 63,8 mil assassinatos em 2017, um triste recorde, como já dissemos.
Os números de violência contra a mulher devem ser ainda maiores, já que Distrito Federal, Espírito Santo, Tocantins, Mato Grosso e Roraima não informaram os dados. As piores taxas estão em Santa Catarina, com 225,9 casos a cada 100 mil habitantes, seguida por Mato Grosso do Sul (207,6) e Rondônia (204,9). O fórum também contabilizou o número de mulheres vítimas de homicídio no ano de 2017: 4.539 (aumento de 6,1% em relação a 2016). Desse total, 1.133 foram vítimas de feminicídio, ou seja, morreram simplesmente por serem mulheres.

Diálogo e respeito
          No que diz respeito ao impacto da violência em nossos jovens, a educadora Fabiana, de 43 anos, acredita que esta situação torna os jovens “mais suscetíveis aos seus efeitos (da violência) e ao mesmo tempo menos empáticos”. Para ela, professores e pais devem abordar o assunto com o alunos e filhos, “favorecendo o diálogo, promovendo a construção de relações de respeito às diferenças e afetividade”.
          Ela afirma ainda que a Educação pode ajudar o aluno a enfrentar a violência “tornando-o uma pessoa mais segura e com a capacidade de se colocar no lugar do outro, para que sempre se promova o diálogo e o debate”. A educadora observa ainda que é possível prevenir outros ataques a escolas, “mas não acredito que seja com a presença de armas ou policiais”. Para ela, a violência nas escolas “é uma questão de políticas públicas como um todo, iniciando sempre pela Educação”.
         
Referências positivas
Para a psicóloga Laís Vieira de Campos, 36 anos, “a violência é um fenômeno intrínseco a qualquer sociedade humana, ao longo de toda história. Atualmente, temos visto rápidas mudanças culturais que, por um lado ampliaram a liberdade e a permissividade, e por outro, aumentaram o controle e as relações de poder. Eu diria que nossa sociedade vem explicitando mecanismos muito perversos de funcionamento. Os jovens estão num momento de transição e precisam de referências positivas que os auxilie nas difíceis escolhas que terão pela frente. Acredito que uma família e um contexto social que seja acolhedor às angústias desses jovens, que os ouça e que também ofereça balizas seguras onde eles poderão se apoiar, terá relações mais saudáveis e menos violentas”.

Respeitando as diferenças
          Na avaliação de Laís, respeitar as diferenças é um fator importante para que o adolescente não se sinta isolado e desprezado, descarregando essa frustração contra colegas e professores. “Permitir que cada um possa se expressar, ter voz; ampliar os espaços de troca, de ouvir e ser ouvido, e as formas de corresponder, de comunicar; provocar reflexões apontando as micro violências que existem no dia-a-dia, nas relações interpessoais e institucionais; propiciar meios de valorizar cada um e os coletivos em seus aspectos positivos e produtivos, para que eles se sintam reconhecidos nesses espaços - são algumas formas de auxiliar nessa inclusão. Diria que essas são tarefas incansáveis de todos nós, em todos os espaços que precisamos conviver”, finaliza a psicóloga.

Veja matéria completa na edição deste mês da revista Hadar

Nenhum comentário:

Postar um comentário