Número é maior do que
a população de Itapetininga em 2010
Até quando mataremos nossos jovens?
Em 20 anos, mais de 155 mil
jovens foram mortos por armas de fogo no país. A informação consta de levantamento
feito pela Sociedade Brasileira de Pediatria, divulgado no mês de março, e
aponta quase 10 mil vítimas em 2017 (9.936). Em 2016, segundo a SBP, foram
registrados 9.517 óbitos. Ou seja, em apenas dois anos, quase 19,5 mil pessoas
jovens foram assassinadas no Brasil por armas de fogo.
Este triste
número de vidas jovens ceifadas pela violência é maior do que a população de
Itapetininga registrada no último Censo do IBGE, que foi de 144.377 habitantes,
no ano de 2010, e também chega próximo à população do município estimada para o
ano de 2018, que é pouco mais de 162 mil pessoas.
Ainda para
efeito de comparação, o número de vítimas supera em quase 35 mil a população
estimada da cidade de Tatuí, que é de pouco mais de 120 mil pessoas.
Não é à toa que, segundo o
levantamento da SBP, em nosso país, a cada 60 minutos uma criança ou
adolescente morre em decorrência de ferimentos por arma de fogo. Nas últimas
duas décadas, mais de 155 mil jovens, com idades entre zero e 19 anos,
faleceram em consequência de disparos acidentais ou intencionais, como em casos
de homicídio ou suicídio.
Segundo o levantamento da
entidade, que considerou os dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade
(SIM), do Ministério da Saúde, em 2016, foram registrados 9.517 óbitos. O
número é praticamente o dobro do identificado há 20 anos (4.846 casos, em
1997), representando em números absolutos o pico dessa série histórica.
Para a presidente da SBP, Luciana
Rodrigues Silva, é imprescindível que as autoridades assegurem a paz e a
integridade dos jovens e daqueles que cuidam de seu bem-estar. “O País precisa
de medidas efetivas para aumentar a segurança das nossas crianças e
adolescentes, e também dos profissionais que os acompanham nas escolas, nas
unidades de saúde, nos centros desportivos e outras instalações do tipo”,
defendeu.
Despesas
A SBP contabilizou ainda as
despesas diretas do Sistema Único de Saúde (SUS) com os pacientes atendidos em
virtude do contato com armas de fogo. Nos últimos 20 anos, as internações de
crianças e adolescentes provocadas pelos disparos custaram mais de R$ 210 milhões
aos cofres públicos.
“Os custos diretos decorrentes
desses atendimentos estão atingindo níveis recordes. Obviamente, que foi um
investimento para salvar vidas, o que é justificável. Porém, se esses casos
tivessem sido evitados, esses recursos poderiam ter tido outro destino no SUS.
O pior, no entanto, não é a conta, mas as sequelas físicas e emocionais –
muitas vezes irreversíveis – que cada um destes episódios de agressão deixa na
vida das crianças e dos adolescentes envolvidos, bem como em suas famílias e na
comunidade”, ressaltou a presidente da SBP.
No esforço de destrinchar esse
fenômeno, a SBP procurou analisar os dados oficiais em busca de outra
informação relevante: a motivação dos disparos que levaram a óbitos e sequelas.
Os números mostram que a principal causa de mortes por armas de fogo na faixa
etária analisada está relacionada a homicídios. Isso ocorre em 94% dos
registros.
Com percentuais muito inferiores
aparecem as intenções indeterminadas (4%), os suicídios (2%) e os acidentes
(1%). Quando se busca o motivador das internações hospitalares por ferimentos
com armas de fogo, as tentativas de homicídio permanecem no topo do ranking
(67%), seguidas, no entanto, do expressivo volume de acidentes (26%).
Ao confrontar os dados com a realidade
nacional, o secretário do Departamento de Segurança da SBP, Danilo Blank,
destaca que a série histórica registra uma sensível desaceleração no total de
óbitos e internações por armas de fogo no período que se seguiu à entrada em
vigor do Estatuto do Desarmamento, em 2003.
“Isso quer dizer que, se
admitirmos que a redução das mortes e ferimentos se deve efetivamente ao
Estatuto do Desarmamento – já que não parece ter havido outra variável em
jogo – quaisquer causas sociais que tenham posteriormente determinado uma
nova onda de aumento nos números de homicídios simplesmente não parecem ter
afetado as mortes e traumas não intencionais, que são um problema
extremamente pertinente à defesa da saúde da criança”, destacou.
O Departamento de Segurança da SBP
enfatiza ainda que, de acordo com sólidas evidências da literatura
especializada, a prevenção de mortes por armas de fogo se baseia principalmente
na redução do acesso a essas armas nas comunidades. Um dos mais recentes
trabalhos nesta linha partiu do American College of Physicians (ACP), que
encoraja os médicos norte-americanos a aconselharem seus pacientes sobre o
risco de ter armas de fogo em casa, particularmente quando há crianças e
adolescentes presentes. “A violência por armas de fogo é uma ameaça à saúde
pública nos Estados Unidos que não pode continuar”, se posiciona a entidade em
documento oficial
“Quanto mais disponíveis as armas
de fogo, maior o número de mortes. Todos os esforços têm que ser empreendidos
para fortalecer o Estatuto do Desarmamento no Brasil e limitar ao máximo a
posse o porte de armas de fogo”, defendeu Blank.
Violência também
atinge a mulher
A violência no Brasil atualmente
parece ser uma chaga que atinge toda a sociedade brasileira, não se limitando
apenas aos jovens. Os números da violência contra a mulher, assustam e jogam
por terra a imagem de país pacato e tranquilo. O que há de errado com o nosso
país? Em 2017, batemos um triste recorde, com mais de 63 mil assassinatos. São
números comparáveis aos de países em guerra. Só para se ter uma ideia, na
Guerra da Síria, entre 2011 e 2017, mais de 330 mil pessoas morreram, o que dá
cerca de 55 mil por ano, bem menos do que foi registado no Brasil em um único
ano.
A situação é
alarmante. Especialistas lembram que por trás dos números estão vidas
destruídas. Há muita informação na internet sobre o tema e. embora possa haver
pequenas diferenças entre os números apresentados por diversas fontes (até
porque muitos casos não são denunciados), o certo é que a violência vem
aumentando no país e as mulheres estão entre as principais vítimas. Até a conceituada
Human Rights Watch (Observatório dos
Direitos Humanos, em uma tradução livre), afirmou em relatório divulgado no
começo deste ano que a violência doméstica é “uma epidemia” no Brasil. Segundo
a organização, há mais de 1 milhão de casos de agressões contra as mulheres
pendentes na justiça brasileira. A HRW, porém, aponta a Lei Maria da Penha como
um importante instrumento no avanço do combate a esta situação de violência.
A violência em
números
O 12º Anuário Brasileiro de
Segurança Pública divulgado em agosto de 2018 mostra que em 2017 o Brasil teve
221.238 registros de violência doméstica, o que significa 606 casos por dia.
São registros de lesão corporal dolosa enquadrados na Lei Maria da Penha. É a
primeira vez que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública tabula esses dados. De
acordo com o anuário, o país registrou 63,8 mil assassinatos em 2017, um triste
recorde, como já dissemos.
Os números de violência contra a
mulher devem ser ainda maiores, já que Distrito Federal, Espírito Santo, Tocantins,
Mato Grosso e Roraima não informaram os dados. As piores taxas estão em Santa
Catarina, com 225,9 casos a cada 100 mil habitantes, seguida por Mato Grosso do
Sul (207,6) e Rondônia (204,9). O fórum também contabilizou o número de
mulheres vítimas de homicídio no ano de 2017: 4.539 (aumento de 6,1% em relação
a 2016). Desse total, 1.133 foram vítimas de feminicídio, ou seja, morreram
simplesmente por serem mulheres.
Diálogo e respeito
No que diz
respeito ao impacto da violência em nossos jovens, a educadora Fabiana, de 43
anos, acredita que esta situação torna os jovens “mais suscetíveis aos seus
efeitos (da violência) e ao mesmo tempo menos empáticos”. Para ela, professores
e pais devem abordar o assunto com o alunos e filhos, “favorecendo o diálogo,
promovendo a construção de relações de respeito às diferenças e afetividade”.
Ela afirma
ainda que a Educação pode ajudar o aluno a enfrentar a violência “tornando-o
uma pessoa mais segura e com a capacidade de se colocar no lugar do outro, para
que sempre se promova o diálogo e o debate”. A educadora observa ainda que é
possível prevenir outros ataques a escolas, “mas não acredito que seja com a
presença de armas ou policiais”. Para ela, a violência nas escolas “é uma
questão de políticas públicas como um todo, iniciando sempre pela Educação”.
Referências positivas
Para a psicóloga Laís Vieira de
Campos, 36 anos, “a violência é um fenômeno intrínseco a qualquer sociedade
humana, ao longo de toda história. Atualmente, temos visto rápidas mudanças
culturais que, por um lado ampliaram a liberdade e a permissividade, e por
outro, aumentaram o controle e as relações de poder. Eu diria que nossa
sociedade vem explicitando mecanismos muito perversos de funcionamento. Os
jovens estão num momento de transição e precisam de referências positivas que
os auxilie nas difíceis escolhas que terão pela frente. Acredito que uma família
e um contexto social que seja acolhedor às angústias desses jovens, que os ouça
e que também ofereça balizas seguras onde eles poderão se apoiar, terá relações
mais saudáveis e menos violentas”.
Respeitando as
diferenças
Na avaliação
de Laís, respeitar as diferenças é um fator importante para que o adolescente
não se sinta isolado e desprezado, descarregando essa frustração contra colegas
e professores. “Permitir que cada um possa se expressar, ter voz; ampliar os
espaços de troca, de ouvir e ser ouvido, e as formas de corresponder, de
comunicar; provocar reflexões apontando as micro violências que existem no
dia-a-dia, nas relações interpessoais e institucionais; propiciar meios de
valorizar cada um e os coletivos em seus aspectos positivos e produtivos, para
que eles se sintam reconhecidos nesses espaços - são algumas formas de auxiliar
nessa inclusão. Diria que essas são tarefas incansáveis de todos nós, em todos
os espaços que precisamos conviver”, finaliza a psicóloga.
Veja matéria completa na edição deste mês da
revista Hadar
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