quarta-feira, 20 de março de 2019

“O ser humano será responsável pela falta d’água, se nada for feito”

Consultor diz que é preciso atitudes 
sérias, mas sempre é possível salvar um rio

Sudão: país enfrenta a escassez de água potável

Para o administrador de empresas e consultor em Saneamento Ambiental José Aurélio Boranga, “o ser humano será responsável pela falta d’água no planeta, se não forem tomadas atitudes sérias para a utilização racional”. Boranga, que é ex-presidente e conselheiro vitalício da ABES - Associação Brasileira de Saneamento Ambiental, concedeu entrevista exclusiva à revista Hadar e ao blog Marconews. Veja agora os principais trechos da entrevista
          Para Boranga, entre as iniciativas para levar água potável às pessoas, está a necessidade de que “os governos ampliem os mecanismos para criação de uma consciência coletiva de que a água é um produto escasso e precisa ser usado de forma racional, evitando qualquer desperdício. É preciso intensificar a todos os níveis da sociedade, informações que criem esta consciência. Na minha opinião isso tem que ser feito a partir da pré-escola, atingindo toda a cadeia educacional e a partir daí o restante da população”. O consultor destaca ainda: “medidas que também penalizem as pessoas, que mesmo após intensas campanhas permanentes de conscientização insistam em desperdiçar água, precisarão ser adotadas”.

Alternativas
“Outra fonte, que é utilizada em alguns países onde a escassez de água já é muito severa, é o processo de dessalinização das águas dos oceanos. Já existe também tecnologia disponível para reutilização dos esgotos em diversas atividades, como lavagem de pátios, irrigação de jardins urbanos, nos processos industriais, etc..., onde hoje se utiliza água potável”, afirma Boranga.
          Ele é enfático ao dizer sobre a responsabilidade da falta de água no planeta. “O ser humano será o responsável pela falta de água no planeta, se não forem tomadas atitudes sérias para a utilização de forma racional, conforme disse acima. Mas também será o ser humano o responsável pelos avanços tecnológicos que permitirão tornar o processo de dessalinização dos oceanos mais acessível, pois hoje isso é caríssimo. Será o ser humano responsável pelo reaproveitamento das águas de esgoto, inclusive para torná-la potável. A humanidade é dona do seu destino, caberá a ela decidir se quer sucumbir por falta de água ou dar a volta por cima é transformar o mundo num lugar melhor do que é hoje”.

Guerra por água
          Citando fatos históricos, Boranga lembra que a “guerra por causa da água não é novidade. Suméria (atual Iraque/Kuwait) - 2.500 A.C - a primeira guerra que se tem conhecimento que teria sido causada por água aconteceu às margens do Rio Eufrates, região onde fica o atual Iraque. Acredita-se que o rei da cidade-Estado de Lagash, tenha desviado o curso do rio e deixado outra cidade, chamada Umma, sem água, o que teria gerado uma disputa entre as cidades pelo mineral vindo do rio. Sudão, 1963. Até os dias de hoje a falta de água foi um dos fatores que impulsionaram o conflito que já matou milhões de pessoas na guerra civil entre Sudão e Sudão do Sul. Os pesquisadores apontaram a água como um dos principais motivos, estando entre motivações políticas, econômicas e sociais. Turquia - 1998 e 2003 - não foi exatamente uma guerra, mas acredita-se que em 2003 houve uma disputa de bastidores entre forças americanas, curdos e turcos com relação à água dos rios Tigre e Eufrates, quando os Estados Unidos invadiram o Iraque. Em 1998, a Síria e a Turquia também teriam passado por forte tensão pelo mesmo motivo”.

Estudo
Segundo Boranga, “um estudo da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, mostra a relação entre a escassez de água e guerra. Analisando o fenômeno El Niño, que em ciclos de três a sete anos provoca aumento na temperatura e diminuição no volume de chuvas, os pesquisadores descobriram que, nos 90 países tropicais afetados pelo fenômeno climático entre 1950 e 2004, o risco de uma guerra civil dobrou, passando de 3% para 6%. Algumas guerras já foram iniciadas por causa da água na história. Claro, se a humanidade não se conscientizar que a água é um bem escasso, poderemos ter conflitos sangrentos por conta disso”.

Brasil
          José Aurélio Boranga afirma que, no Brasil, “já existem grandes projetos de reversão de Bacias Hidrográficas, para atender demandas de consumo. Um exemplo bastante conhecido e recente, foi a reversão de Bacia do São Lourenço, que traz água do Vale do Ribeira, para reforçar o abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo. Na verdade, toda a Região Metropolitana de São Paulo, cuja disponibilidade de recursos hídricos/por habitante/dia é a mais baixa do país, é abastecida por recursos hídricos, na sua grande maioria, importados de outras bacias, através de reversão”.
          Sobre a poluição dos rios, principalmente no estado de São Paulo, o consultor afirma que “com certeza é sempre possível salvar rios degradados. O Tietê não será diferente. Especialmente o Rio Tietê, tem ao longo do tempo diminuído a sua Mancha de poluição, com um grande trabalho feito pela Sabesp”. Segundo Boranga, entre 2010 e 2018, a mancha de poluição do rio caiu de 243 km para 122 km.
          “Então vejamos, que de 2010 a 2018, mais de 120 Km do Rio Tietê, foram despoluídos. Sendo assim, basta eliminar os pontos poluidores, repor matas ciliares, que os rios voltam a ter vida”.
          Para Boranga, existe no país legislação que visa proteger nossas águas, mas falta fiscalização. “A Lei 9.433 de 08 de janeiro de 1997, que ficou conhecida como Lei das Águas, institui a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), que estabelece instrumentos para gestão dos recursos hídricos de domínio federal (aqueles que atravessam mais de um estado ou fazem fronteira. Como por exemplo, o Rio Paraná) e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH). Os instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos, são: Planos de Recursos hídricos enquadramento dos corpos de água em classes; Outorga dos direitos de uso de recursos hídricos; Cobrança pelo uso de recursos hídricos; e o Sistema Nacional de informações sobre Recursos hídricos. O que não existe é fiscalização adequada, por parte dos estados/União, com aplicações de penalidades efetivas aos poluidores”.
          Sobre o risco do Brasil ficar sem água, Boranga diz que “a hipótese de ficar sem água para dessedentação humana me parece extremamente remota, considerando as diversas técnicas existentes e já citadas aqui,  como dessalinização de oceanos, etc... O que vejo com muita preocupação, caso a humanidade não se conscientize da necessidade de tratar os recursos hídricos de forma racional, é que estaremos sujeitos a faltar água para produção de alimentos, pois a quantidade de água necessária para produzir comida de qualidade é extremamente alta. Ai sim corremos um risco enorme de acontecerem conflitos gravíssimos entre nações por conta desta escassez. Apenas como curiosidade, segundo a EMBRAPA, a média global de água para produzir um quilo de carne bovina, é de 15,5 mil litros de água. Para se chegar a este número os pesquisadores usam cálculos matemáticos, que levam em conta uma série de fatores. No caso da carne, este cálculo leva em conta, quantidade de água usada na produção dos alimentos que os bois comem, da água que eles bebem, até mesmo da água utilizada na limpeza dos currais onde eles ficam e aí por diante. O resultado obtido nesse cálculo é dado o nome de "Pegada Hídrica do produto". A EMBRAPA, está estudando a Pegada Hídrica da carne no Brasil. Então é de extrema importância que seja conhecida a Pegada Hídrica de cada produto e ter um trabalho para reduzir este valor, para que não falte água para produção de alimentos”, finaliza Boranga.

Ação conscientizadora

          No próximo dia 22 de março, o grupo Eco Maná, em parceria com a prefeitura de Itapetininga, realiza evento no auditório municipal Alcides Rossi, anexo ao Paço, para falar da importância da preservação de rios, nascentes e recursos naturais.
          O projeto Cada Gota Vale acontece a partir das nove horas e tem como objetivo despertar uma consciência ambiental sustentável, aliada com práticas diárias coletivas da sociedade. O evento é aberto a todos. 

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