Flávio Cipriano fala
da importância do esporte para os jovens
Aos 64 anos, o atleta e professor Flávio
Rubens Cipriano (foto) ainda sonha com um centro esportivo para Itapetininga,
onde as crianças pudessem praticar esportes com segurança e longe das drogas e
violência. “A sociedade ganha com isso”, afirma Cipriano, com a experiência de
quem, em mais de 40 anos de esporte, orientou, treinou e acompanhou cerca de
8,4 mil crianças, tonando-se padrinho de crisma e casamento de muitas delas.
“O técnico tem de ir até a criança, ver a
realidade dela, o que ela come, como ela anda; hoje não basta a criança ir até
o local do treino”, diz o veterano atleta, que atualmente desenvolve um
trabalho voluntário com 20 crianças da Vila Belo Horizonte, usando a pista
cedida pelo Sesi (Serviço Social da Indústria) na Vila Regina. “O problema é
levarmos as crianças até lá, devido à distância”, ressalta o professor, que
também atende alunos das vilas Prado e
Paulo Ayres, todos de baixa renda.
Lado social
“Muitos ainda não têm a visão de que o
esporte é importante para a periferia e para as crianças”, afirma Cipriano,
acrescentando que, desde que começou no esporte, sempre quis ajudar a garotada.
“Saía do ginásio, onde trabalhava na limpeza da quadra, dos vestiários e do
banheiro e ia para pista. Aí já fazia escolinha de treinamento e comecei a
gostar de ser professor e fiz faculdade (de Educação Física)”, conta o atleta,
explicando que “a criança, na minha época, não tinha nada para sair do marasmo
e ser útil para a sociedade. E o jovem precisa sair do marasmo”.
Para Flávio Cipriano, a periferia
precisa de mais ações do Poder Público em vários setores, incluindo, claro, o
esporte. “O poder público tem de enxergar e chamar a população para discutir as
ações, ouvir a sociedade e detectar o que falta na periferia. Mas não apenas
discutir: precisa por em prática e isso tem de ser rápido, pois o traficante
não espera. E o que é oferecido na periferia? Nada!”, afirma o professor,
observando que os bairros periféricos não possuem, por exemplo, uma pista de
caminhada ou uma quadra poliesportiva. “O esporte é importante para afastar as
crianças das ruas e das drogas”.
Cipriano sabe do que fala. Muitos de
seus ex-alunos hoje são adultos e seguem carreiras como no Direito (juiz),
Forças Armadas (general) e na polícia. “Recentemente fui convidado para a
homenagem a uma ex-aluna que está terminando a escola de soldados da PM
(Polícia Militar), em Sorocaba. Isso é emocionante; é isso que me dá sustentação
para viver”, conta o professor que, embora aposentado, não para e, além do
trabalho com crianças, ajuda candidatos de concursos públicos a se prepararem
para as provas de aptidão física e ainda orienta um time feminino de vôlei.
Início
Nascido em um sítio no município de
Buri e filho de ferroviário, Cipriano chegou à Itapetininga quando tinha quatro
anos de idade. Ele começou a praticar esporte durante o Tiro de Guerra. “O
sargento queria um time para representar o TG na prova 13 de maio. Nós treinamos
dois meses e eu fui o terceiro colocado na prova, aí que começou a paixão e a
visão de que o esporte traz futuro”, lembra Cipriano, que logo começou a
treinar firme, primeiro sozinho, depois com amigos, pelas ruas da cidade. Não
demorou e ele venceu os 1,5 mil e os 800 metros, em competição realizada no
CASI.
No começo dos anos 70, sem um tênis
apropriado, Cipriano podia ser visto correndo à noite pelas ruas mal iluminadas
de Itapetininga. “As pessoas tinham medo de sair à noite e muita gente nos chamava
de malucos, que não tínhamos o que fazer, muitos se assustavam quando a gente
passava”, recorda o veterano atleta, que além da falta de iluminação,
enfrentava as ruas de paralelepípedo, que ficavam escorregadias em dias de
chuva ou com o sereno da noite, já que ele geralmente corria depois das 22
horas. Nessa época, também não havia mulheres correndo e nem participando de
provas. Também não havia patrocínio e ele lembra que não ganhava dinheiro. “Uma
vez ganhei um jogo de jantar”. Durante um tempo, Cipriano foi “adotado” pela
FKB (Fundação Karnig Bazarian) o que fez com que ele tivesse acesso, por
exemplo, a acompanhamento médico e vitaminas. “Foi um trabalho legal”.
Não tinha apoio, mas o preconceito
existia. “Uma vez, participando de uma prova, ao chegar na esquina da antiga
Magister, eu subi na calçada para evitar o piso escorregadia e descer a (rua)
Capitão José Leme. Como eu puxava forte, deixei até a RP (Rádio Patrulha) que
acompanhava a prova para trás. Quando virei a esquina duas senhoras me
seguraram, pensando que eu estava fugindo da polícia! Precisou a RP chegar e
avisar que eu estava participando de uma corrida”.
Em
mais de quatro décadas de esporte, Flávio Cipriano foi o primeiro secretário de
esportes do município, em uma época em que o orçamento de Itapetininga era de
R$ 38 milhões (hoje é mais de 10 vezes mais). Ele avalia que o esporte
itapetiningano “estacionou” nesse período e revela que só não faria uma coisa
de novo: ser vereador e explica o motivo: “as pessoas acham que o vereador faz
algo, mas ele apenas sugere, quem tem a caneta na mão é o chefe do Executivo,
que é o prefeito”.