domingo, 4 de outubro de 2015

A vida em passadas largas

Flávio Cipriano fala da importância do esporte para os jovens

Aos 64 anos, o atleta e professor Flávio Rubens Cipriano (foto) ainda sonha com um centro esportivo para Itapetininga, onde as crianças pudessem praticar esportes com segurança e longe das drogas e violência. “A sociedade ganha com isso”, afirma Cipriano, com a experiência de quem, em mais de 40 anos de esporte, orientou, treinou e acompanhou cerca de 8,4 mil crianças, tonando-se padrinho de crisma e casamento de muitas delas.
“O técnico tem de ir até a criança, ver a realidade dela, o que ela come, como ela anda; hoje não basta a criança ir até o local do treino”, diz o veterano atleta, que atualmente desenvolve um trabalho voluntário com 20 crianças da Vila Belo Horizonte, usando a pista cedida pelo Sesi (Serviço Social da Indústria) na Vila Regina. “O problema é levarmos as crianças até lá, devido à distância”, ressalta o professor, que também atende alunos  das vilas Prado e Paulo Ayres, todos de baixa renda.

Lado social
          “Muitos ainda não têm a visão de que o esporte é importante para a periferia e para as crianças”, afirma Cipriano, acrescentando que, desde que começou no esporte, sempre quis ajudar a garotada. “Saía do ginásio, onde trabalhava na limpeza da quadra, dos vestiários e do banheiro e ia para pista. Aí já fazia escolinha de treinamento e comecei a gostar de ser professor e fiz faculdade (de Educação Física)”, conta o atleta, explicando que “a criança, na minha época, não tinha nada para sair do marasmo e ser útil para a sociedade. E o jovem precisa sair do marasmo”.
          Para Flávio Cipriano, a periferia precisa de mais ações do Poder Público em vários setores, incluindo, claro, o esporte. “O poder público tem de enxergar e chamar a população para discutir as ações, ouvir a sociedade e detectar o que falta na periferia. Mas não apenas discutir: precisa por em prática e isso tem de ser rápido, pois o traficante não espera. E o que é oferecido na periferia? Nada!”, afirma o professor, observando que os bairros periféricos não possuem, por exemplo, uma pista de caminhada ou uma quadra poliesportiva. “O esporte é importante para afastar as crianças das ruas e das drogas”.
          Cipriano sabe do que fala. Muitos de seus ex-alunos hoje são adultos e seguem carreiras como no Direito (juiz), Forças Armadas (general) e na polícia. “Recentemente fui convidado para a homenagem a uma ex-aluna que está terminando a escola de soldados da PM (Polícia Militar), em Sorocaba. Isso é emocionante; é isso que me dá sustentação para viver”, conta o professor que, embora aposentado, não para e, além do trabalho com crianças, ajuda candidatos de concursos públicos a se prepararem para as provas de aptidão física e ainda orienta um time feminino de vôlei.

Início
          Nascido em um sítio no município de Buri e filho de ferroviário, Cipriano chegou à Itapetininga quando tinha quatro anos de idade. Ele começou a praticar esporte durante o Tiro de Guerra. “O sargento queria um time para representar o TG na prova 13 de maio. Nós treinamos dois meses e eu fui o terceiro colocado na prova, aí que começou a paixão e a visão de que o esporte traz futuro”, lembra Cipriano, que logo começou a treinar firme, primeiro sozinho, depois com amigos, pelas ruas da cidade. Não demorou e ele venceu os 1,5 mil e os 800 metros, em competição realizada no CASI.
          No começo dos anos 70, sem um tênis apropriado, Cipriano podia ser visto correndo à noite pelas ruas mal iluminadas de Itapetininga. “As pessoas tinham medo de sair à noite e muita gente nos chamava de malucos, que não tínhamos o que fazer, muitos se assustavam quando a gente passava”, recorda o veterano atleta, que além da falta de iluminação, enfrentava as ruas de paralelepípedo, que ficavam escorregadias em dias de chuva ou com o sereno da noite, já que ele geralmente corria depois das 22 horas. Nessa época, também não havia mulheres correndo e nem participando de provas. Também não havia patrocínio e ele lembra que não ganhava dinheiro. “Uma vez ganhei um jogo de jantar”. Durante um tempo, Cipriano foi “adotado” pela FKB (Fundação Karnig Bazarian) o que fez com que ele tivesse acesso, por exemplo, a acompanhamento médico e vitaminas. “Foi um trabalho legal”.
          Não tinha apoio, mas o preconceito existia. “Uma vez, participando de uma prova, ao chegar na esquina da antiga Magister, eu subi na calçada para evitar o piso escorregadia e descer a (rua) Capitão José Leme. Como eu puxava forte, deixei até a RP (Rádio Patrulha) que acompanhava a prova para trás. Quando virei a esquina duas senhoras me seguraram, pensando que eu estava fugindo da polícia! Precisou a RP chegar e avisar que eu estava participando de uma corrida”.
          Em mais de quatro décadas de esporte, Flávio Cipriano foi o primeiro secretário de esportes do município, em uma época em que o orçamento de Itapetininga era de R$ 38 milhões (hoje é mais de 10 vezes mais). Ele avalia que o esporte itapetiningano “estacionou” nesse período e revela que só não faria uma coisa de novo: ser vereador e explica o motivo: “as pessoas acham que o vereador faz algo, mas ele apenas sugere, quem tem a caneta na mão é o chefe do Executivo, que é o prefeito”.

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