quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Alguém bate à minha porta

É preciso renovar a esperança na vida que nasce


Um homem bate à minha porta. Está malvestido e sujo. Cheira mal. Tenho medo de abrir, afinal, o que pode me oferecer uma pessoa em estado tão lastimável? Deve, inclusive, estar bêbado. Pode até ser violento. Que culpa tenho eu se a sorte não lhe sorriu? Nunca lhe fiz nada de mal. Tenho medo de abrir. E se for assalto ou, Deus me livre, uma gangue ou quadrilha de marginais? Além do mais, o que os vizinhos vão dizer se virem alguém tão malvestido na frente da minha casa?
Faço menção de dar as costas e ir embora. Ele percebe que há gente dentro da casa e bate de novo. “Doutor, preciso de sua ajuda”. Nem olho para trás, apago a luz da sala e entro no meu quarto. É véspera de Natal. Logo meus convidados irão chegar. São pessoas da mais alta estirpe da sociedade. A ceia será de primeira. Não posso ser perturbado por um João Ninguém.
          Olho para o Rolex no meu pulso, 21h45, os convidados devem começar a chegar para a ceia. Coloco um CD com Vivaldi – sempre gostei das Quatro Estações – e relaxo no sofá. Adormeço.
          Acordo com um sobressalto: são 23h30 e estou só na sala escura e silenciosa. Onde estão meus convidados? Ninguém apareceu? Impossível! Gastei muito dinheiro nesta festa!! Eles têm que vir!!!!
          De repente, saio correndo e abro a porta para ver se há alguém chegando. Tropeço e caio. Encostado na minha porta, dormindo encolhido, está o mendigo que insistia em falar comigo. Deus! Será que não vou conseguir me livrar dele?
          Ele acorda e me olha espantado: “doutor, eu preciso de uma ajuda. Não queria incomodar, mas minha mulher está para dar à luz. Estou desempregado há mais de um ano; vivo de bicos. Estamos morando no lixão, catando coisas como lata e papelão, mas a prefeitura disse que a gente não podia ficar lá e nos mandou para um abrigo, mas estava lotado. A gente não conseguiu entrar; ficamos vagando de um lugar para o outro”.
          “Ficamos vagando? Esse cara é louco! Não estou vendo ninguém com ele. Na certa esta história de mulher que vai dar à luz é mentira. Ele quer arrancar dinheiro de mim, como sempre”, pensei comigo. E o mendigo continuava falando.
          “A gente estava tentando ir para o hospital, mas as dores começaram, aí me lembrei que o senhor é médico. Como a gente estava aqui perto, na pracinha ali, deixei minha mulher em um banco e corri aqui. Não quero nada do senhor não, quero apenas que dê uma olhada na minha esposa e me ajude a leva-la ao hospital”.
          Justo agora? Será que não vê que estou de smoking? Além do mais, há pelo menos 20 anos não faço um parto, desde que montei meu próprio hospital. Bem, já que pelo jeito meus convidados não vão vir mesmo, não custa nada dar uma olhada.
          Chegamos à praça por volta das 23h50. As estrelas estão muito brilhantes esta noite, especialmente uma que parece estar bem sobre a praça. Acho estranho. Nunca vi isso. Mas logo esqueço desse detalhe e me concentro na mulher.
          Meu Deus, as contrações estão muito fortes. Não sei se vai dar para mover a mulher. Penso que talvez seja melhor chamar uma ambulância. “Como é o seu nome?”, pergunto. “É Maria, doutor”.
          “Vamos fazer o seguinte, Maria: mantenha a respiração firme enquanto eu a examino. Se der tudo certo, chamamos a ambulância e você vai para o hospital”. Mal acabei de falar e a bolsa estourou. Essa não! O tempo se esgota. Corro em casa e pego minha maleta. Me sinto como nos tempos em que fazia residência nos grandes hospitais de São Paulo, logo que me formei. Minha pulsação aumenta. Parece que estou mais vivo do que nunca.
          Não há tempo para pegar toalhas ou panos limpos. Uso minha camisa e meu smoking. Com a ajuda do pai, na madrugada brilhante de 25 de dezembro, nasce um lindo menino, em uma praça de uma pequena cidade.
          As estrelas estão mais radiantes. Ao longe, rojões anunciam a chegada de Cristo. A criança chora e me sinto como um jovem. Choro também. É Natal. Estou sentado com a criança no colo. O pai se aproxima: “obrigado doutor, mas temos de ir embora”. Ele toma a criança nos braços. “Qual será o nome?”, pergunto. “Estamos pensando em Jesus”, diz o pai. Antes do amanhecer, a família desaparece no horizonte, envolta em uma luz.
          Fico na praça perdido em pensamentos. Cristo nasceu hoje. E me deu a honra de presenciar isso. Obrigado, meu Deus! E que todos tenham um Feliz Natal!

Texto: Marco Antonio Vieira de Moraes

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