Em 2017, mais de 4,9 mil mulheres foram assassinadas no
país
Vítima de violência doméstica
A edição 2019
do Atlas da violência traz um dado alarmante: os homicídios contra mulheres cresceram
mais de 30% entre 2007 e 2017. O
documento é elaborado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e
traz um retrato da violência em nosso país, uma situação que diz respeito à
toda sociedade brasileira e que, além de interromper a vida dos mais jovens e
fracos, custa mais de R$ 370 bilhões/ano aos cofres públicos. Nesta reportagem
especial, você verá alguns desses dados, bem como a opinião de especialistas
sobre a violência que atinge a mulher brasileira. Neste dia 7 de agosto, é
comemorado o Dia Estadual da Lei Maria da Penha, considerada uma importante
conquista no combate à violência contra a mulher.
‘ Segundo o
Atlas, “houve um crescimento dos homicídios femininos no Brasil em 2017, com
cerca de 13 assassinatos por dia. Ao todo, 4.936 mulheres foram mortas, o maior
número registrado desde 2007”. Ainda de acordo o relatório, os dados foram
obtidos junto ao Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da
Saúde, “e trazem importantes subsídios para compreender melhor o fenômeno da
violência letal contra a mulher, ao trazer dados sobre as características das
vítimas e sobre alguns aspectos situacionais relacionados aos incidentes”.
Evolução
Em um dos
seus tópicos, o relatório analisa “a evolução dos homicídios de mulheres nas
unidades federativas (estados) e se, de fato, houve crescimento dos casos de
feminicídios nos últimos anos, que têm chamado a atenção da mídia, dos
operadores e dos pesquisadores sobre segurança pública no país”.
Os
pesquisadores do Ipea afirmam que foi constatado “crescimento expressivo de
30,7% no número de homicídios de mulheres no país durante a década em análise
(2007-2017), assim como no último ano da série, que registrou aumento de 6,3%
em relação ao anterior. A magnitude do fenômeno e de suas variações pode ser
mais bem aferida em termos da taxa de homicídio por grupo de 100 mil mulheres,
que permite maior comparabilidade temporal e entre as diferentes unidades
federativas. Entre 2007 e 2017 houve aumento de 20,7% na taxa nacional de
homicídios de mulheres, quando a mesma passou de 3,9 para 4,7 mulheres
assassinadas por grupo de 100 mil mulheres. Nesse período, houve crescimento da
taxa em 17 Unidades da Federação. Já no recorte de 2012 a 2017, observamos
aumento de 1,7% na taxa nacional e um aumento maior ainda de 5,4% no último
ano, período em que se verificam taxas ascendentes em 17 UFs em relação a 2016”.
O crescimento
contínuo da violência contra a mulher no período analisado fica ainda mais
evidente, quando o levantamento é feito por estados, ou como o estudo diz, por
unidade federativa. “Considerando o período decenal, Rio Grande do Norte
apresentou o maior crescimento, com variação de 214,4% entre 2007 e 2017,
seguido por Ceará (176,9%) e Sergipe (107,0%). Já no ano de 2017, o estado de
Roraima respondeu pela maior taxa, com 10,6 mulheres vítimas de homicídio por
grupo de 100 mil mulheres, índice mais de duas vezes superior à média nacional
(4,7). A lista das unidades federativas onde houve mais violência letal contra
as mulheres é seguida por Acre, com taxa de 8,3 para cada 100 mil mulheres, Rio
Grande do Norte, também com taxa de 8,3, Ceará, com taxa de 8,1, Goiás, com
taxa de 7,6, Pará e Espírito Santo com taxas de 7,5”.
Reduções
Segundo o
Atlas, “considerando-se as maiores diminuições decenais, Distrito Federal,
Espírito Santo e São Paulo apresentaram as maiores reduções, entre 33,1% e
22,5%”. Nota da redação: os casos de feminicidio no Estado de São Paulo
aumentaram em 2019, conforme levantamento feito pelo Portal G1. Veja texto
nesta página
Destaque
Um dos destaques no item redução
da violência contra a mulher é o estado do Espírito Santo. “O caso do Espírito
Santo chama a atenção na medida em que até 2012, o estado aparecia como campeão
na taxa de homicídios femininos no país. Embora tenha apresentado crescimento
entre 2016 e 2017, parece ter havido uma redução consistente da violência letal
contra as mulheres no estado, provavelmente reflexo das diversas políticas
públicas implementadas pelo governo no período e que priorizaram o
enfrentamento da violência baseada em gênero”, afirma o estudo.
Ainda segundo o levantamento, “no
ano de 2017, o estado de São Paulo responde pela menor taxa de homicídios
femininos, 2,2 por 100 mil mulheres, seguido pelo Distrito Federal (2,9), Santa
Catarina (3,1) e Piauí (3,2), e ainda Maranhão (3,6) e Minas Gerais (3,7). Em
termos de variação, reduções superiores a 10% ocorreram em seis Unidades da
Federação, a saber: Distrito Federal, com redução de 29,7% na taxa; Mato Grosso
do Sul, com redução de 24,6%; Maranhão com 20,7%; Paraíba com 18,3%, Tocantins
com 16,6% e Mato Grosso com 12,6%”.
Feminicídio
aumenta em SP
Apesar de
apresentar uma redução de quase 34% na taxa de homicídios por 100 mil
habitantes entre 2007 e 2017, incluindo, como já vimos, os casos de violência
letal contra a mulher, o estado de São Paulo experimentou um recrudescimento da
violência de gênero no começo deste ano. Os casos de feminicídio aumentaram 76%
no 1º trimestre de 2019 em São Paulo se comparados ao mesmo período do ano
anterior, de acordo com levantamento feito pelo G1 e pela GloboNews. Nos
primeiros três meses do ano, 37 mulheres foram vítimas de feminicídio. Em 2018,
foram 21. Lembrando que o feminicídio é caracterizado quando a mulher é morta
(assassinada) pelo simples fato de ser mulher.
Ao mesmo tempo, o número de
homicídios de mulheres caiu no estado: de 119 para 97, queda de 18%. Enquanto
no primeiro semestre de 2018, as vítimas de feminicídios representavam 17,5% do
total de casos, neste ano, o percentual subiu para 38%.
Mais mortos do que em guerras
A violência no Brasil atualmente
parece ser uma chaga que atinge toda a sociedade brasileira, não se limitando
apenas aos jovens. Os números da violência contra a mulher, assustam e jogam
por terra a imagem de país pacato e tranquilo. O que há de errado com o nosso
país? Em 2017, batemos um triste recorde, com mais de 65 mil assassinatos. São
números comparáveis aos de países em guerra. Só para se ter uma ideia, na
Guerra da Síria, entre 2011 e 2017, mais de 330 mil pessoas morreram, o que dá
cerca de 55 mil por ano, bem menos do que foi registado no Brasil em um único
ano.
A situação é
alarmante. Especialistas lembram que por trás dos números estão vidas
destruídas. Há muita informação na internet sobre o tema e. embora possa haver
pequenas diferenças entre os números apresentados por diversas fontes (até
porque muitos casos não são denunciados), o certo é que a violência vem
aumentando no país e as mulheres estão entre as principais vítimas. Até a
conceituada Human Rights Watch
(Observatório dos Direitos Humanos, em uma tradução livre), afirmou em
relatório divulgado no começo deste ano que a violência doméstica é “uma
epidemia” no Brasil. Segundo a organização, há mais de 1 milhão de casos de
agressões contra as mulheres pendentes na justiça brasileira. A HRW, porém,
aponta a Lei Maria da Penha como um importante instrumento no avanço do combate
a esta situação de violência.
Cultura Machista
Para a
psicóloga itapetiningana Regina Soares (CRP 06\14206), “nossa cultura machista
ainda trata a mulher como um ser que serve para proporcionar prazer ao
homem, dar-lhe filhos, e que deve
permanecer submissa frente à hegemonia
masculina .Diante desta perspectiva é comum para alguns homens desfazer-se das
que contrariam a sua vontade, os enfrentam, se mostram protagonistas de sua
trajetória pessoal e até mesmo se recusam
a permanecer em relacionamentos
abusivos. Ainda que de forma inconsciente muitos homens coisificam as mulheres
e as matam motivados pelas dificuldades que enfrentam: diante do fato de serem
rejeitados ou trocados por outro parceiro. Não suportam a frustração de
perderem o território e o domínio sobre a mulher”.
Segundo a
psicóloga, o estremecimento da relação homem-mulher, o estresse da vida moderna
e a desvalorização da vida são fatores que contribuem para a violência contra a
mulher, mas ela ressalta que “não são apenas estes. A postura de algumas
doutrinas que pregam a obediência e a submissão da mulher, contribuem para o
empoderamento do masculino, favorecendo o sentimento de posse, investindo o
homem do poder de decidir sobre a vida ou morte de suas parceiras. Nossa
sociedade forma cidadãos violentos e a atitude violenta é uma característica
reconhecida como masculinidade e virilidade. Não podemos deixar de lado o uso
abusivo do álcool e outras substâncias psicoativas consumidas pelo parceiro que
potencializam o comportamento agressivo de muitos homens”
Regina Soares
argumenta ainda que o machismo “com certeza é uma das causas da violência
contra a mulher” e que a sociedade deve “refletir sobre a reprodução da cultura
machista de desrespeito em relação a mulher. A família, escola, igrejas devem
propor o respeito entre homens e mulheres, mostrando que a frustração faz parte
da vida e que a recusa do outro frente as nossas necessidades tem que ser
respeitada e não afrontada. Ainda, que as diferenças são essenciais para
evoluirmos e não motivo para eliminarmos o outro que nos contrariou”
Sinais
A psicóloga
aponta sinais que podem identificar se uma mulher é vítima de abuso ou
violência. “São comuns características como: isolamento social, depressão,
desculpas constantes diante de marcas em seu corpo, choro sem motivo aparente,
medo de falar na presença do parceiro, entre outros”.
Políticas públicas
Na opinião de Regina, “as políticas públicas
na sua maioria estão voltadas muito mais para o público feminino do que para o
masculino. Raramente vemos homens em rodas de conversa discutindo questões como
desemprego, educação dos filhos, dificuldades conjugais, planejamento familiar,
resolução e mediação de conflitos sem o uso da violência. Estas questões são
reconhecidas como pertencentes ao universo feminino apesar de o homem ter
participação direta em todos elas”.
Quem é Maria da Penha
A mulher cuja
trajetória de vida e luta contra a violência doméstica inspirou a criação da
lei que leva o seu nome é Maria da Penha Maia Fernandes (foto), nascida em Fortaleza,
no Ceará e atualmente com 74 anos.
Maria da
Penha é farmacêutica bioquímica e se formou na Faculdade de Farmácia e
Bioquímica da Universidade Federal do Ceará em 1966, concluindo o seu mestrado
em Parasitologia em Análises Clínicas na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da
Universidade de São Paulo em 1977.
Foi quando
estudava na USP que ela conheceu seu futuro marido e algoz por quase 20 anos, o
colombiano Marco Antonio Heredia Viveros, na época pós-graduando em economia.
Eles se casaram em 1976 e Viveros demonstrava ser bom e gentil, uma situação
que mudou radicalmente quando nasceram duas das três filhas do casal, quando a
família já morava em Fortaleza.
Assim como em
outras histórias semelhantes, o marido foi ficando violento e agressivo,
inclusive com as filhas. O clímax da tortura matrimonial de Maria da Penha
ocorreu em 1983, quando ela levou um tiro pelas costas, enquanto dormia,
disparado por Marco Antonio Viveros. O disparo a deixou paraplégica. Na época,
o marido disse que tinha sido uma tentativa de assalto que não tinha dado
certo, mas a versão foi desmentida pela perícia.
Quando Penha
voltou para a casa, quatro meses depois, ele a manteve em cárcere privado por
15 dias e tentou eletrocutá-la durante o banho. Maria da Penha sobreviveu a
tudo isso, saiu de casa com a ajuda de amigos e iniciou uma batalha judicial em
busca de justiça, mas por duas vezes seu marido escapou de cumprir sentença em
regime fechado, graças a supostas falhas processuais.
O caso foi
parar na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos
Estados Americanos (CIDH/OEA). Em 2001, o Estado brasileiro foi considerado
omisso, negligente e tolerante em relação à violência doméstica contra as
mulheres. A comissão estabeleceu recomendações que o governo brasileiro deveria
seguir.
Em 2002, um
consórcio de instituições feministas elaborou uma lei de combate à violência
doméstica e familiar. O projeto foi aprovado por unanimidade no congresso
(Câmara dos Deputados e Senado) e sancionada pelo então presidente Lula em
agosto de 2006.
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na revista Hadar