terça-feira, 5 de maio de 2020

Jornalistas e personalidades comentam manifestações em Brasília


Tristeza, preocupação e pessimismo são algumas das reações apontadas

Manifestantes pediram intervenção militar

          As manifestações populares ocorridas em Brasília no último domingo, dia 3, onde apoiadores do presidente Jair Bolsonaro pediram o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso Nacional, além de uma intervenção militar, causaram tristeza, preocupação e pessimismo entre jornalistas e personalidades ouvidas pelo blog, que apontaram também o que consideram uma irresponsabilidade do chefe do Executivo apoiar tais manifestações. Profissionais do jornal O Estado de S. Paulo foram agredidos por manifestantes, o que seria um ataque à liberdade de imprensa. Veja agora o que disseram os entrevistados.

          Para o jornalista Fábio Arruda Miranda (foto), de 52 anos, a manifestação de domingo “demonstra total desconhecimento da história do Brasil. Parece-me, até, um argumento infantil: uma manifestação pedindo a proibição de manifestar!’  Não sabem o que falam”, afirma Miranda.
          Sobre a participação frequente de Bolsonaro nessas manifestações, o jornalista afirma: “irresponsável, no mínimo. Além de contrariar todas as recomendações do seu próprio Ministério da Saúde e da OMS (Organização Mundial da Saúde). Está dando asas ao seu desejo autoritário; não sabe lidar com a Democracia. Irresponsável e inconsequente. Tem pretensão de ser um líder populista, mas não é: nem líder, nem populista”
          Para Miranda, o fato de uma parcela da população desejar uma intervenção militar pode ser explicado pela vontade das pessoas em terem uma “solução dos problemas econômicos e sociais. Alguns, por desconhecimento, ‘acham’ que basta um presidente decidir pelas soluções, o que não é verdade. O Brasil tem problemas estruturais a serem resolvidos. E é exatamente pelo debate que vamos avançar rumo ao desenvolvimento - e não por nenhum golpe. Penso que essa ‘extrema direita’ não é expressiva; na verdade, não são de direita: são liberais pedindo a expansão da justiça econômica e social. Incentivados por um presidente inconsequente, caem na infantilidade de combater um comunismo inexistente”.

Momento delicado
Manifestantes cercam e agridem profissionais da imprensa

          Fábio Miranda ressalta que o pais vive um “momento muito delicado” do ponto de vista de liberdade de imprensa. “E culpo pessoalmente o presidente da República, seus filhos e o Gabinete do Ódio!”.
          Apesar do momento difícil, o jornalista acredita que “o país tem solução, sim! E passa por um processo de aprendizado e amadurecimento. Se existem “Tiriricas” na política, é porque receberam votos.... O país precisa avançar para o sentimento de nação. Nossa jovem Democracia estabeleceu uma Constituinte de 88 que prevê muitos “direitos” – a Constituição Cidadã; agora, precisa ajustar os seus deveres”.

Desmonte
Cristina Vallada, jornalista

          “Não sou otimista em relação ao futuro do país. Não há como acreditar num país sem um povo educado, saudável, bem alimentado. O governo atual vem desmontando qualquer possibilidade do povo se desenvolver dignamente, vem tentando implantar um modelo econômico que privilegia os ricos e tira oportunidades dos pobres. O governo atual prega a violência, em detrimento do diálogo. O autoritarismo e não a conciliação. A informação falsa e conveniente e não a verdade. Não há como ter esperanças”. A frase é da jornalista Ana Cristina Vallada, 45 anos, que reside e trabalha na cidade de São Paulo.
          Para ela, as manifestações que pedem intervenção militar parecem mais uma forma equivocada de demonstrar apoio ao presidente e ao militarismo que ele prega do que uma vontade genuína de que os militares assumam o comando do país. O presidente Jair Bolsonaro demonstra desde sempre não ter nenhum apreço pela democracia, pelas instituições democráticas, pela divisão dos poderes. A presença dele nas manifestações pode ser surpreendente por se tratar de um presidente da república, mas sendo quem é, pode-se dizer que é até esperado”.

Extremismo crescente
          “Acredito sim em crescimento da extrema direita, ainda que a população pobre e com pouca educação formal nem saiba o que isso significa. Apoia o presidente por simpatia, por razões mais religiosas do que políticas. Creio que o caos político sempre será cenário favorável para um golpe”, analisa Cris Vallada.
          Para ela, “o momento é delicado não do ponto de vista da liberdade de imprensa, uma vez que nunca foi tão fácil publicar algo. É delicado do ponto de vista da informação correta, apurada, responsável. As pessoas querem ouvir o que vai de encontro à opinião delas e não a verdade dos fatos. Daí a hostilidade e as agressões (contra profissionais de comunicação)”.

Passado ignorado

          Contundente em sua análise, a professora Patrícia Ferreira Braga (foto), de João Monlevade (MG), de 44 anos, vê as manifestações “como uma demonstração de total ignorância do passado recente do país. Quem postula por isso nunca deve ter estudado sobre os horrores da ditadura e o quanto os direitos individuais foram comprometidos naquele período. São ignorantes úteis manipulados por interesses inescrupulosos”.
          Sobre a atitude do presidente, Patrícia afirma: “não considero postura. Aliás, esse senhor é qualquer coisa exceto político. É um abestalhado egocêntrico que só se preocupa com interesses próprios, estando completamente alienado das necessidades do país”.
          A professora analisa ainda que “as condições para o golpe estão armadas. Basta a canetada. O brasileiro da classe média, que apoia a volta da ditadura, é um povo soberbo. Se acha europeu, rico e culto. E não admite que o pobre, o preto, o gay, os diferentes; tenham os mesmos direitos que acreditam ter recebido por mérito divino. Afinal, são “generosos” e “tementes a Cristo”. Assim, acreditam que a ditadura restabeleceria essa “ordem” e as coisas retomariam seu status verdadeiro”.
          Sobre as agressões a imprensa e o momento delicado do país, a professora afirma: “o ser que ocupa a presidência instiga as pessoas contra os jornalistas. Não quer a verdade exposta. Ameaça caçar concessões e menospreza repórteres. Isso legítima seus apoiadores a agirem contra a imprensa e pedir limite a sua atuação. Neste momento, todas as instituições democráticas estão sob ameaça”.

Sem esperança
“Ando desesperançosa com o país. Temendo muito o retorno do regime ditatorial. Se o povo continuar nessa ignorância não vejo solução a médio prazo para nossos problemas. Essa polarização PT x Direita é nefasta. É preciso construir e acreditar na via do meio. Sem isso estaremos condenados às polaridades que não solucionam nada. Só disseminam o ódio e a desunião do povo”, finaliza Patrícia

Presidente desrespeita lei
Manifestantes agridem jornalistas

          Com a experiência de quem viveu os tempos duros do regime militar, o escritor Carlos da Terra diz que vê “com profunda ansiedade e preocupação (as manifestações de domingo). As pessoas que viveram aqueles árduos e sombrios tempos da ditadura militar ainda trazem as marcas do terror em suas almas. Mães que perderam seus filhos jamais se recuperaram do trauma”.
          Para o escritor, o comportamento de Bolsonaro “é uma conduta imoral do ponto de vista humano, de vez que ele não é um militante e sim que se encontra em uma posição que o impele a, simplesmente, agir e não incitar o povo a agir.
De acordo com a Constituição, o presidente viola a Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967”. (Nota da redação: esta lei regulamenta a liberdade de manifestação de pensamento e de expressão, é também conhecida como Lei de Imprensa)
Terra ainda avalia que “há sim, uma parcela (da população) que deseja uma intervenção militar, como realmente houve nos anos 60. E essa parcela não é pequena. Eu, particularmente, penso que uma monarquia seria melhor do que o sistema republicano, diante desse perigo iminente de uma ditadura nos moldes embrutecidos e incultos de uma ditadura militar. Obviamente, o militar é, em todos os tempos e em todas as sociedades, preparado para lutar e matar e não para filosofar ou educar ou ainda ponderar sobre a cultura popular. Por sua formação, o militar carece de recursos para atividades intelectuais que são, naturalmente, incompatíveis com a força bruta”.
O escritor afirma ainda que “o momento é delicado. Politicamente a posição filosófica é frágil diante da imposição brutal da força. Não há clima para a citação famosa de Evelyn Beatrice Hall: "posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las".
Apesar das dificuldades, Carlos da Terra afirma que “há uma luz no fim do túnel! Nosso país teve uma formação feudal. O povo é apegado a crenças e culturas individualistas, como uma visão bastante simplificada de uma sociedade ideal. Quando um brasileiro nasce, logo nas primeiras aprendizagens, ouve seus circundantes dizerem: "o Brasil é um país muito rico". Esse conceito sugere uma acomodação. Qualquer reforma que se pretenda fazer passará pela educação, desde a base até as universidades”.
Texto: Marco Antonio
Fotos: Arquivos pessoais; reprodução internet

2 comentários: