terça-feira, 25 de outubro de 2016

A polêmica quanto ao teto de gastos do governo federal

Proposta limita gastos ao índice de inflação do ano anterior

O governo precisa controlar seus gastos


          Quase todo mundo já deve ter ouvido dos pais ou dos avós uma receita infalível para uma boa saúde financeira: não gastar mais do que ganha. Uma regra simples e básica e que deveria ser seguida por todos, incluindo os governos municipais, estaduais e federal. Claro que nem sempre é isso o que acontece, mas, assim como uma pessoa que gasta mais do ganha vive na corda bamba – e um dia pode cair – até um país pode se quebrar se não houver controle dos gastos públicos. Exemplos não faltam.
          Para evitar tal situação, o governo federal obteve uma importante vitória no começo de outubro, com a aprovação da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 241, que limita os gastos totais do governo federal. Ela passou em primeiro turno na Câmara por 366 a 111. A PEC 241 propõe que, a partir de 2017, as despesas primárias da União fiquem limitadas ao que foi gasto no ano anterior corrigido pela inflação. Ou seja, em 2017, a despesa em termos reais (isto é, descontada a inflação ocorrida em 2016) ficará igual à realizada em 2016. Por sua vez, em 2018, o limite anual será o teto de 2017 acrescido da inflação, em 2017. E assim por diante, enquanto a PEC estiver em vigor.
O assunto volta ao plenário da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (25), para votação em segundo turno. Por se tratar de emenda à Constituição, para ir ao Senado ainda precisa ser aprovada por pelo menos três quintos dos deputados (308 dos 513) em segundo turno. Só depois a proposta será apreciada pelos senadores.
O objetivo da PEC é conter a expansão da despesa pública primária que, no período 2008-2015, cresceu, anualmente, em média, 6% acima da inflação. O controle da expansão da despesa primária é fundamental para reduzir a despesa financeira, pois permite ao governo financiar sua dívida com uma taxa de juro menor. De fato, ao buscar adequar suas despesas às receitas auferidas, o governo sinaliza para os detentores de títulos públicos que os valores contratualmente estipulados nesses títulos serão honrados, possibilitando menores taxas na negociação de novos títulos públicos.

Sem gastar à vontade
Esta iniciativa significa que, como ocorre com qualquer trabalhador, o Congresso não poderá prever gastos que dependam de receitas futuras e incertas, com projeções infladas, como faz hoje. E o gasto público descontrolado é um fator a alimentar a atual crise econômica. A polêmica gira em torno de quanto a PEC 241 seria a melhor alternativa. Um grande receio é que a área social fique descoberta.
O governo tomou o cuidado de estabelecer regimes especiais para a Saúde e para a Educação. Nessas duas áreas, serão fixados pisos de investimento (as outras áreas precisam apenas respeitar, juntas, o teto de gasto do governo. Mas não há piso de investimento para cada uma). No caso de Educação, a mudança ocorrerá a partir de 2018.Nesse ano, a União investirá o mesmo valor que investir em 2017 (18% da receita líquida do governo) mais o acréscimo da inflação do ano anterior, medida pelo IPCA.
O governo diz que, assim, a área está protegida. Os críticos mais duros afirmam que a área vai sofrer terrivelmente. A verdade tem nuances entre esses dois extremos. Entre as variáveis que podem influenciar nos repasses está o crescimento econômico e o desempenho da economia brasileira. Dependendo do quadro, os recursos poderão ser maiores com a PEC, mas há situações em que a metodologia atual garante mais dinheiro.

Em caso de rejeição
Como a proposta do governo deverá ser analisada pelo menos mais duas vezes até o final do ano (mais uma vez pelos deputados e depois pelo Senado), ainda há uma remota possibilidade de que seja rejeitada.
Nesse caso, permanecerá a regra atual, em que a União tem a obrigação de investir 18% da receita líquida, descontados repasses a estados e municípios, para a área. Num cenário como o atual, em que a inflação é alta e a receita (como a atividade econômica) é baixa, esse repasse também diminuirá (em relação ao que foi investido no último ano). Estima-se que ele será menor do que seria caso a PEC já estivesse valendo. Cálculos que supõem um período de cinco anos até o equilíbrio real das contas públicas indicam que, durante esse período, os repasses para a Educação, com a PEC, seriam maiores do que com a regra atual, de vinculação à receita. Num cenário em que o país tenha inflação baixa e crescimento regular, a fórmula atual tende a levar mais dinheiro para a Educação do que a PEC (supondo que os congressistas se contentem em investir na Educação somente o piso exigido pela PEC). Diante da gravidade da crise econômica, porém, não há como saber se e quando o país voltará a desfrutar essas condições. Em cenários de baixo crescimento e inflação relativamente alta, a PEC tende a levar mais dinheiro para a Educação do que o sistema atual.

Aprovação
Se for aprovada a PEC, em 2017, a regra atual será mantida. Os 18% da receita líquida da União irão para a Educação. A mudança ocorrerá a partir de 2018. A regra que passa a valer, então, será o investimento do mesmo valor de 2017 corrigido pela inflação, medida pelo IPCA (o governo projeta inflação de 4,8% para 2017. O mercado financeiro projeta 5,1%). Essa norma passa a valer até 2026, e, se não for alterada então, até 2036. Para o caso da Educação, assim como ocorre com a Saúde, esse valor representa o mínimo obrigatório. O governo pode decidir investir mais nessas duas áreas. Para isso, terá de diminuir o orçamento de outros setores, pois o teto de gasto total do governo federal (sempre o gasto do ano anterior corrigido pela inflação) deverá ser respeitado.

Áreas afetadas
O governo federal possui duas principais atribuições financeiras com a Educação. Ambas são enquadradas pela PEC 241. A primeira é a gestão de universidades, institutos e escolas federais, que compromete a maior parte do orçamento da área. A segunda atribuição é dar apoio financeiro a estados e municípios para a implementação de bibliotecas, informatização, transporte escolar, alimentação, confecção e distribuição de livros didáticos e construção de edificações usadas como creches e escolas. Esses repasses são feitos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
A distribuição de recursos desse fundo varia de acordo com o tópico. Em transporte, a União coloca R$ 1 para cada R$ 8 gastos pelo estado, em média. Em alimentação, essa relação é de R$ 1 para R$ 7. O percentual de contribuição da União para a construção de edificações varia de caso a caso. Já no programa de livros didáticos, o gasto é todo do governo federal. Em caso de crise financeira, como a atual, essa é uma área que pode sofrer mais com os cortes da União.
Mas, como há ainda muitas incertezas no ar, não há como saber de maneira concreta se a aprovação da PEC 241 vai mesmo afetar essas áreas de maneira negativa. O mais importante, segundo a ótica do governo, é garantir o controle dos gastos públicos.

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