Proposta limita gastos
ao índice de inflação do ano anterior
O governo precisa controlar seus gastos |
Quase todo
mundo já deve ter ouvido dos pais ou dos avós uma receita infalível para uma
boa saúde financeira: não gastar mais do que ganha. Uma regra simples e básica
e que deveria ser seguida por todos, incluindo os governos municipais,
estaduais e federal. Claro que nem sempre é isso o que acontece, mas, assim
como uma pessoa que gasta mais do ganha vive na corda bamba – e um dia pode
cair – até um país pode se quebrar se não houver controle dos gastos públicos.
Exemplos não faltam.
Para evitar
tal situação, o governo federal obteve uma importante vitória no começo de
outubro, com a aprovação da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 241,
que limita os gastos totais do governo federal. Ela passou em primeiro turno na
Câmara por 366 a 111. A PEC 241 propõe que, a partir de 2017, as despesas
primárias da União fiquem limitadas ao que foi gasto no ano anterior corrigido
pela inflação. Ou seja, em 2017, a despesa em termos reais (isto é, descontada
a inflação ocorrida em 2016) ficará igual à realizada em 2016. Por sua vez, em
2018, o limite anual será o teto de 2017 acrescido da inflação, em 2017. E
assim por diante, enquanto a PEC estiver em vigor.
O assunto volta ao plenário da Câmara
dos Deputados nesta terça-feira (25), para votação em segundo turno. Por se
tratar de emenda à Constituição, para ir ao Senado ainda precisa ser aprovada
por pelo menos três quintos dos deputados (308 dos 513) em segundo turno. Só depois
a proposta será apreciada pelos senadores.
O objetivo da PEC é conter a
expansão da despesa pública primária que, no período 2008-2015, cresceu,
anualmente, em média, 6% acima da inflação. O controle da expansão da despesa
primária é fundamental para reduzir a despesa financeira, pois permite ao
governo financiar sua dívida com uma taxa de juro menor. De fato, ao buscar
adequar suas despesas às receitas auferidas, o governo sinaliza para os
detentores de títulos públicos que os valores contratualmente estipulados
nesses títulos serão honrados, possibilitando menores taxas na negociação de
novos títulos públicos.
Sem gastar à vontade
Esta iniciativa significa que,
como ocorre com qualquer trabalhador, o Congresso não poderá prever gastos que
dependam de receitas futuras e incertas, com projeções infladas, como faz hoje.
E o gasto público descontrolado é um fator a alimentar a atual crise
econômica. A polêmica gira em torno de quanto a PEC 241 seria a melhor
alternativa. Um grande receio é que a área social fique descoberta.
O governo tomou o cuidado de
estabelecer regimes especiais para a Saúde e para a Educação. Nessas duas
áreas, serão fixados pisos de investimento (as outras áreas precisam apenas
respeitar, juntas, o teto de gasto do governo. Mas não há piso de investimento
para cada uma). No caso de Educação, a mudança ocorrerá a partir de
2018.Nesse ano, a União investirá o mesmo valor que investir em 2017 (18% da
receita líquida do governo) mais o acréscimo da inflação do ano anterior,
medida pelo IPCA.
O governo diz que, assim, a área
está protegida. Os críticos mais duros afirmam que a área vai sofrer
terrivelmente. A verdade tem nuances entre esses dois extremos. Entre as
variáveis que podem influenciar nos repasses está o crescimento econômico e o
desempenho da economia brasileira. Dependendo do quadro, os recursos poderão
ser maiores com a PEC, mas há situações em que a metodologia atual garante mais
dinheiro.
Em caso de rejeição
Como a proposta do governo deverá
ser analisada pelo menos mais duas vezes até o final do ano (mais uma vez pelos
deputados e depois pelo Senado), ainda há uma remota possibilidade de que seja
rejeitada.
Nesse caso, permanecerá a regra
atual, em que a União tem a obrigação de investir 18% da receita líquida,
descontados repasses a estados e municípios, para a área. Num cenário como o
atual, em que a inflação é alta e a receita (como a atividade econômica) é
baixa, esse repasse também diminuirá (em relação ao que foi investido no último
ano). Estima-se que ele será menor do que seria caso a PEC já estivesse
valendo. Cálculos que supõem um período de cinco anos até o equilíbrio real das
contas públicas indicam que, durante esse período, os repasses para a Educação,
com a PEC, seriam maiores do que com a regra atual, de vinculação à receita.
Num cenário em que o país tenha inflação baixa e crescimento regular, a fórmula
atual tende a levar mais dinheiro para a Educação do que a PEC (supondo que os
congressistas se contentem em investir na Educação somente o piso exigido pela
PEC). Diante da gravidade da crise econômica, porém, não há como saber se e
quando o país voltará a desfrutar essas condições. Em cenários de baixo
crescimento e inflação relativamente alta, a PEC tende a levar mais dinheiro
para a Educação do que o sistema atual.
Aprovação
Se for aprovada a PEC, em 2017, a
regra atual será mantida. Os 18% da receita líquida da União irão para a
Educação. A mudança ocorrerá a partir de 2018. A regra que passa a valer,
então, será o investimento do mesmo valor de 2017 corrigido pela inflação,
medida pelo IPCA (o governo projeta inflação de 4,8% para 2017. O mercado
financeiro projeta 5,1%). Essa norma passa a valer até 2026, e, se não for
alterada então, até 2036. Para o caso da Educação, assim como ocorre com a
Saúde, esse valor representa o mínimo obrigatório. O governo pode decidir
investir mais nessas duas áreas. Para isso, terá de diminuir o orçamento de
outros setores, pois o teto de gasto total do governo federal (sempre o gasto
do ano anterior corrigido pela inflação) deverá ser respeitado.
Áreas afetadas
O governo federal
possui duas principais atribuições financeiras com a Educação. Ambas
são enquadradas pela PEC 241. A primeira é a gestão de universidades,
institutos e escolas federais, que compromete a maior parte do orçamento da
área. A segunda atribuição é dar apoio financeiro a estados e municípios
para a implementação de bibliotecas, informatização, transporte
escolar, alimentação, confecção e distribuição de livros
didáticos e construção de edificações usadas como creches e escolas.
Esses repasses são feitos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE).
A distribuição de recursos desse
fundo varia de acordo com o tópico. Em transporte, a União
coloca R$ 1 para cada R$ 8 gastos pelo estado, em média. Em alimentação,
essa relação é de R$ 1 para R$ 7. O percentual de contribuição da União para
a construção de edificações varia de caso a caso. Já no programa
de livros didáticos, o gasto é todo do governo federal. Em caso de crise
financeira, como a atual, essa é uma área que pode sofrer mais com os cortes da
União.
Mas, como há ainda muitas
incertezas no ar, não há como saber de maneira concreta se a aprovação da PEC
241 vai mesmo afetar essas áreas de maneira negativa. O mais importante,
segundo a ótica do governo, é garantir o controle dos gastos públicos.
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