quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Breno Ruiz fala sobre música, trabalho e identidade cultural

Músico se diz especialista em canções


No próximo dia 5 de fevereiro, no Auditório Ibirapuera -  sala Oscar Niemeyer – o músico Breno Ruiz (foto) lança oficialmente seu CD Cantilenas Brasileiras. O evento está programado para acontecer a partir das 19 horas. O espetáculo será realizado um dia depois de Breno completar 34 anos. Um belo presente de aniversário!
Fruto de uma parceria com o poeta carioca Paulo César Pinheiro, o CD levou 12 anos para se tornar realidade e já é considerado um trabalho histórico e que tem recebido críticas positivas da imprensa. O jornal O Globo, por exemplo, afirma que Breno Ruiz hoje é referência entre os músicos de São Paulo e Rio de Janeiro.
Nesta entrevista ao Marconews, Breno fala de sua vida, música, trabalho e identidade cultural. Com vocês, Breno Ruiz.

Marconews - Conte um pouco de sua história. Como se interessou pelas artes, em especial a música?  Quais instrumentos você toca? Você compõe também?
Breno Ruiz - Sou compositor popular, toco um pouco de piano, e arranho um pouco de acordeon, mas não me considero pianista. acordeonista ainda menos. Toco o suficiente para defender honestamente a música que faço, para servi-la da melhor maneira. Pianista é o ofício de quem dedica uma vida ao estudo do instrumento e ao aperfeiçoamento de uma técnica de execução perfeita e elaborada. No meu caso, embora eu tenha estudado (um pequeno período, durante minha infância, com a Vasti, em Itapetininga, e depois em Tatuí), meu lado instrumentista vive a serviço da canção. Como criador, me interesso muito mais por buscar e aperfeiçoar, dentro do processo composicional, caminhos que sugiram afetos, emoções, e que sintetizem uma linguagem e uma comunicação não verbal.  É meio difícil de explicar, mas a minha praia é mais essa, por isso não me considero pianista. A Chiquinha Gonzaga, entendendo bem sua praia, se dizia “pianeira” sempre que a chamavam de pianista...  No mais, não sei como a música surgiu na minha vida; sei que ela sempre esteve presente e eu, desde muito cedo, sempre me dei muito bem com ela.
Marconews - Por que decidiu seguir a sua profissão? Sua família, teve influência na sua decisão? Hoje você atua na área?
Breno Ruiz - Não tive um momento de escolha. Tive a música. Só isso. Fui muito incentivado por meus pais, que também teriam me incentivado se eu tivesse escolhido outra carreira (como mais recentemente, quando quis estudar Medicina, e depois Psicologia). Mas aqueles a quem considero família, para além dos meus pais, sempre foram reticentes. Sempre temeram pelas incertezas do caminho artístico, tão estigmatizado desde sempre, também. Como se nos dias de hoje, ser concursado ou funcionário público, ou qualquer coisa que garanta o status de “um bom emprego”, uma vida tranquila e confortável, tenha, de fato, alguma garantia... Um dia, meu amigo querido, Pedro Ozi, me chamou a atenção para um fato. Quando decidi prestar vestibular pra Medicina, muita gente vinha me perguntar (alguns afirmavam, inclusive, e até me parabenizavam por isso) se eu fazia aquela opção pra ter estabilidade financeira e, portanto, um futuro mais “certo”, uma carreira menos incerta do que aquela que a Música me proporcionaria. O Pedro tirou da cartola uma máxima que desde então carrego comigo: “Breno, até a Física se serve de um Princípio da Incerteza, que dirá a vida humana!”. Depois disso, sempre que estou em algum tipo de apuro, e que o mundo a minha volta soa em uníssono aquele monocórdio “vida de artista”, eu lembro que tenho a meu favor ninguém menos que Heisenberg, Nota da redação: o músico se refere ao físico alemão Werner Karl Heisenberg, que recebeu o Prêmio Nobel de Física em 1932 pela criação da mecânica quântica. Em seus estudos, Heisenberg também apresentou o Princípo da Incerteza.
Marconews - Como é viver de música em uma cidade como Itapetininga, ou mesmo no Brasil? Na sua opinião, o que precisa melhorar na cidade nesta área?
Breno Ruiz - Essa é uma pergunta que não gosto nunca de responder, e nem sei se é possível respondê-la, porque existem inúmeras formas para se viver de música. Um produtor cultural pode viver de arte e cultura sem ser artista; pode viver de música, inclusive, sem ser músico – aliás, esse perfil existe aos montes em todos os cantos. E esse exemplo se desdobra de milhares de formas diferentes. Viver de música no interior ou em qualquer outro lugar depende do que aquele que pretende viver de música espera para si e para o próprio futuro. Em Itapetininga há gente vivendo de música, cada um a seu modo, mas vivendo de música muito antes de mim, e está na ativa, até hoje. Citar os colegas, que eu poderia, seria um tanto injusto, porque são muitas as pessoas presentes na cena. Então, falar de um e não falar de outro não seria legal. Penso que boa parte das pessoas que trabalham nessa área, acabam ganhando a vida no mercado de entretenimento. O mundo do entretenimento é uma das maneiras de se ganhar a vida. Numa cidade pequena, isso esbarra em quem toca em casamentos, faz baile, etc, etc. Numa cidade grande isso se desdobra e gera empresas do mundo do entretenimento, empresas de seresta, por exemplo, ou numa escala muito maior (e bastante questionável), esbarra naquilo que costumou-se chamar de indústria fonográfica. Entretanto, em cidades como Itapetininga, e tantas outras, sempre haverá aquele que vai defender seu ofício transmitindo-o aos outros. São professores de música, entusiastas culturais sinceros, regentes e organizadores de bandas, gente que faz sarau, violeiros, sanfoneiros, cantores, cantadores, e por aí vai. No caso dessas pessoas, especialmente, penso que qualquer gestão deveria olhar pro trabalho delas com muito mais cuidado. Essas pessoas estão, antes de mais nada, assegurando uma identidade para sua população, para sua sociedade. Estão garantindo que a História não se perca. Estão contribuindo para que linguagens não se percam. Isso deveria ser tratado como algo vital. Faz parte da saúde de qualquer sociedade, de qualquer cultura.
Breno e outros músicos na reinauguração
do autidório da Prefeitura de Itapetininga

Marconews - Quais são as dificuldades em trabalhar em uma área pouco valorizada? Você já se sentiu discriminado?
Breno Ruiz - Pergunte aos médicos cubanos se eles se sentiram discriminados no Brasil. E pergunte aos médicos brasileiros sobre o que pensaram (e pensam) quando o governo assumiu a posição de trazê-los para cá. A despeito da discussão sobre esse tema, que não nos interessa aqui, o que quero com essa imagem é constatar que todo mundo, alguma vez na vida, já enfrentou ou vai enfrentar algum tipo de discriminação. Vai se sentir desvalorizado em algum momento da vida. A Arte, de um modo geral, e especialmente a Música, é, sim, estigmatizada no Brasil. A sua segunda pergunta, neste item, reforça o juízo que já está presente na primeira. É um juízo amplamente difundido no senso comum que a arte seja pouco valorizada, o que não quer dizer que seja falso. Mas você sabe quanto custa uma obra como o Abapurú, ou quanto é o cachê do Nelson Freire? Claro, alguém vai falar que o cachê do pianista que eu citei é pequeno perto daqueles artistas de empreendimentos sertanejos, por exemplo. Mas são duas coisas distintas: O Nelson é um artista, de fato; os outros são talentosos exploradores do mercado de entretenimento. Não convém confundir bife à milanesa com bife ali na mesa, né? Esse “pouco valorizado” existe dentro de um contexto de alta complexidade e que tem incontáveis variáveis que precisariam ser consideradas, uma a uma, dentro do mesmo contexto, para se chegar, de fato, a uma conclusão. O que a gente está entendendo por pouco valorizado? Existe dentro da psicologia comportamental aquela velha ideia de reforço. E o reforço pode ser positivo ou negativo. Quando se deseja extinguir um determinado comportamento, dentro desse ponto de vista (que nem é o que eu mais gosto), é necessário que se elimine os elementos que reforçam a permanência do tal comportamento. Aquele velho “gelo” que a criança dá na outra, quando a outra faz alguma coisa que não convém à primeira, vai um pouco nesse sentido. Falar que já me senti discriminado, pode denunciar, sim, uma cena hostil à minha profissão. Mas tenho tido, ao longo da minha vida, inúmeros outros exemplos bem-sucedidos e esse recorte deveria ser melhor explorado. Fazer um show autoral para 800 pessoas dentro do Auditório do Ibirapuera, sem ser um nome popular, e ser aplaudido em pé, ou fazer um sarau pra dez pessoas na sala de casa, onde, ao final, todos se emocionam e melhoram a qualidade de sua experiência no mundo, não são exemplos de valorização? Garanto que não há juiz de direito, em tempo atual, que não esteja sendo discriminado por parte generosa da população; garanto que outra parte generosa da população também está se sentindo discriminada pelos motivos que lhes são pertinentes; garanto que não há médico psiquiatra que já não tenha se sentido discriminado por alguém da psicologia ou, mesmo, o contrário disso. Tudo existe dentro de um contexto. O que acontece com a arte, e a música, em especial, é reflexo de algo muito maior. Se valorizássemos a “Educação”, exclusivamente, a Educação, todas as outras coisas seriam valorizadas por consequência. Refletiria na saúde, na segurança, na política, na infraestrutura, e a arte, finalmente, cumpriria seu papel de não ter que ter um papel definido e ser apenas um objeto de experiência estética, de contemplação e ócio, um objeto ligado à transcendência humana. Falar que já me senti discriminado, me serve só para a experiência terapêutica de partilhar um tipo de sofrimento pessoal (e nem por isso irreal) com outras pessoas que têm em comum outras tantas experiências frustradas na própria área, experiências de não se sentirem valorizadas. Isso não muda o mundo, não melhora nada, do ponto de vista da coletividade, não se transforma num legado...
Marconews - Vc está lançando seu primeiro CD, fruto de uma parceria com o poeta Paulo César Pinheiro. Por que este trabalho levou mais de 10 anos para ficar pronto? Como está sendo a repercussão?
Breno Ruiz - O trabalho levou doze anos para ficar pronto. Aconteceu, principalmente, porque eu levei esse tempo para amadurecer o suficiente de modo que eu pudesse dar conta desse trabalho. Meu tempo é caymminiano. E tem outra. Não tinha recurso para fazê-lo. Há quem goste de fazer financiamento coletivo, projeto de lei, etc, etc... Eu não tenho tino para isso. No caso do financiamento coletivo, nem sei se sou favorável à ideia. Tenho vários senões que também não cabem aqui. Não acho errado, só não serve para mim, ao menos nesse momento. Sobre a repercussão do trabalho, tem sido muito positiva. Alguns críticos têm considerado o trabalho “histórico”. Se é histórico ou não, o tempo e a história é que irão julgar.
Marconews - Você está lançando um trabalho centralizado em MPB. Como você avalia o mercado de arte, principalmente música, atualmente? Há perspectiva de crescimento?
Brenno Ruiz - A sigla MPB surgiu com o nome do grupo MPB4, e virou sinônimo de muita coisa boa e muita coisa ruim, também. Hoje qualquer coisa do tipo Ana Carolina é MPB. Essa sigla não é a mais adequada à minha música. Prefiro não botar rótulo nas coisas. Faço música brasileira, só isso. Minha música é ligada às raízes da nossa cultura, é ligada, de certa forma a nossa identidade. O mercado? Acho que é melhor você perguntar para empresários, produtores, etc. Tem muita gente a fim de ganhar dinheiro, muito dinheiro, enriquecer com música. O Jacob do Bandolim era escrivão, trabalhava entre policiais, e não admitia a ideia de músico “profissional”. Toda turma que o acompanhava tinha seu ganha pão fora da música. A ideia era não macular o ofício, o sagrado ofício de ser artista. Embora eu viva de música, como um Saddhu (espécie de monge andarilho hindu) vive dos pratos que lhe ofertam, o meu papel e fazê-la. Não sou alienado, do ponto de vista dos direitos da minha profissão, mas falar sobre mercado entre músicos é coisa que tem se tornado uma grande especulação que ocorre em detrimento da qualidade artística. Muitos têm se transformado em especialistas de mercado. A minha especialidade é a canção. É o acorde bonito que vai me fazer rir ou chorar, e vai inspirar o afeto do meu parceiro que então colocará sua poesia a disposição de outras pessoas, conversando alma com alma. A música para mim, se dá na sala da minha casa, na rua, no boteco, até no mercado, em qualquer lugar. Mas essa discussão sobre mercado fonográfico, ainda que eu me faça parecer alienado, não me interessa. Se o mercado falir, eu vou dar aula, vou engraxar sapato, vou vender côco na praia para viver, mas vou continuar legando a minha obra, as minhas canções, que serão, no futuro, ao lado de todos os artistas que trabalham hoje, a arqueologia da nossa cultura, uma contribuição pra história na qual estamos inseridos, fazemos parte e que estamos construindo eternamente, uns com mais consciência, outros com menor consciência, e alguns, de modo totalmente inconsciente.
Marconews - Muitos avaliam que alguns gêneros musicais correm o risco de desaparecer, como por exemplo o Chorinho e o Cururu. Como você avalia esta situação?
Breno Ruiz - É disso que estou falando quando digo que o que me interessa é a música, mais do que o mercado, a música brasileira. Não sou bom em História, embora essa ciência me encante. Não me lembro qual foi o povoado grego que, uns 20 anos após uma grande contenda, perdeu a própria língua, esqueceu a própria língua! Isso é uma coisa muito séria, nos parece distante, mas não é. Embora língua e linguagem sejam coisas distintas, expressões como o Choro ou o Cururu são linguagens musicais que nos trazem identidade. Nos identificam como pessoas, pois são as guardiãs das nossas origens. Só faz sentido ser brasileiro, paulista, itapetiningano porque algo nos identifica com esse local. Não sou antropólogo, sociólogo, psicólogo nem nada disso. Mas imagine que amanhã ou depois você entra em depressão, numa depressão profunda. Nesse estado, o sujeito perde o interesse por tudo que despertava sua atenção anteriormente. Se gostava de um tipo de música, deixa de gostar; se gostava de passeio, deixa de gostar; se gostava de fazer jardim, deixa de gostar. A música, o passeio e o jardim, constituíam significado à vida do sujeito. Do dia para noite, tudo aquilo perde o sentido. E a própria vida do sujeito acaba por perder o sentido. Guardadas as devidas proporções, se as raízes daquilo que nos confere significado à existência, dentro de um determinado local ou grupo forem perdidas, não saberemos mais quem somos, e as implicações e consequências disso no mundo pragmático são profundamente drásticas e perigosas. Não me considero conservador, pelo contrário. Mas tomo como exemplo a fala do grande Ariano Suassuna. Certa ocasião ele disse algo mais ou menos assim “houve um tempo em que se os EUA quisessem conquistar o território alheio, eles mandavam tropas para lá; hoje, eles mandam a música do Michael Jackson e da Madonna”. Nada contra os dois, mas a fala do mestre Suassuna sintetiza brilhantemente o que quero dizer e faz pensar. Particularmente, não acredito na extinção de gêneros como o Choro ou o Cururu. Sempre haverá um guardião dessa linguagem, que a história se encarregará de ressuscitar. Mas é importante que haja o fortalecimento dessa linguagem. Esse discurso de ter vergonha de ser brasileiro faz sobrar rebarbas para todos os cantos, inclusive para aqueles que, tenho certeza, nenhum de nós gostaríamos que sobrasse. A música brasileira é de altíssimo nível criativo e sempre foi nosso maior cartão postal, nosso maior cartão de visitas. É preciso que se fortaleça o que há de melhor aqui, antes que a gente acabe como aquele povoado grego que esqueceu a própria língua e perdeu a identidade

Quem é Breno Ruiz
Nascido em 1983 na cidade de Sorocaba, mudou-se imediatamente para a vizinha Itapetininga, onde conheceu seu ofício e vocação. Aos quatro anos já tocava piano, aos dez animava os bailes do clube local ao lado de um regional de choro e, a partir dos 15, já compunha com parceiros como Rafael e Rita Alterio, Cristina Saraiva, Sergio Natureza e Paulo Cesar Pinheiro – este, seu parceiro mais constante. Tem sido, desde então, gravado por parceiros e intérpretes como Tetê Espíndola, Renato Braz, Maogani, Celso Viáfora, Cristina Saraiva, Rafael Alterio, MPB4, entre outros. Como pianista e arranjador, gravou com o grupo Garimpo e produziu os arranjos para o CD Terra Brasileira, da compositora Cristina Saraiva.

Texto: Marco Antônio
Fotos: João Francisco

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